Por Valéria Giumelli Canestrini, Promotora de Justiça no MP-RO.
A REVOGAÇÃO DA RESOLUÇÃO DO CONAMA N. 369 DE 28
DE MARÇO DE 2006 COM A VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL – LEI N. 12.651/2012.
The
repeal of CONAMA Resolution n. 369 from march 28th 2006 in view of the effective of New Forestry Code - Law 12.651/2012
Valéria
Giumelli Canestrini
RESUMO
O presente artigo científico apresenta o estudo realizado
quanto à necessidade da delimitação de áreas de especial preservação, em
específico as áreas de preservação permanente, bem como quanto à necessidade de
restringir-se e excepcionar-se a intervenção e supressão de tais locais
naturais. Tenta-se fazer uma abordagem contemplando a visão da
sustentabilidade, embora sem se aprofundar, diante da necessidade da
convergência dos interesses econômicos, sociais e ambientais. Expõe-se a origem
do Conselho Nacional do Meio Ambiente, inserido na Política Nacional do Meio
Ambiente, seu poder normativo na emissão de resoluções, como a Resolução n. 369
de 28 de março de 2006, analisando-se a revogação dessa resolução com a promulgação
e vigência do Novo Código Florestal – Lei n. 12.651/2012, apesar deste
apresentar dispositivos inconstitucionais, em tese.
Palavras-chave: Área de preservação
permanente. Intervenção. Resolução Conama 369 de 28 de março de 2006.Revogação. Lei 12.651/2012.
ABSTRACT
The
present scientific article shows the study realized about the necessity of
delimitation of special preservation areas, specifically the permanent
preservation areas, and about the necessity of restrict and except the
intervention and suppression of these natural places. It tries to mean and
explain in the view of sustainability, although it is notmore
profound on this subject, in view of the needs at the convergence of economic,
social and environmental interests. It shows the origin of The Environmental National Council inside the National Environmental
Political, its normative power in the emission resolutions as The Resolution n.
369 from march 28th 2006, analyzing up
the repeal of this resolution in view of the enactment and New Forestry Code in
force - Law 12.651/2012, despite its unconstitutional devices, in theory.
Key
words: Permanent preservation areas. Intervention. Conama Resolution 369 from march
28th 2006.Repeal. Law 12.651/2012.
1 INTRODUÇÃO
No dia-a-dia do profissional do
Direito, atuante na área ambiental, depara-se muitas vezes com várias situações
de intervenção e supressão de áreas de preservação permanente tanto na zona
rural como urbana.
São problemas sociais a serem
enfrentados que dependem da atuação do Poder Público que não é eficiente, bem
como demonstram que a coletividade não está cumprindo com o dever disposto no
art. 225 da CF/88 de proteção do meio ambiente para as presentes e futuras
gerações.
A tão sonhada sustentabilidade
ainda parece utopia quando se trata da utilização dos espaços nas cidades, sem
mencionar-se a situação real vivida nas zonas de desmatamento na Amazônia.
Bem certo que as áreas definidas
como de especial preservação já o são justamente a fim de resguardar-se o
mínimo para que se assegure um meio ambiente equilibrado e saudável, daí
decorre a proteção legal desses locais, a fim de que o nosso ordenamento
jurídico, tipificando e legalizando áreas de especial preservação, imponha a
todos a obrigação de cumprimento da lei.
E quando se fala em lei, há de
mencionar-se que, assim como a lei regula as áreas de preservação permanente
(dentre aquelas de especial preservação), também prevê situações de exceção (ou
seja, que não poderão ser estendidas, são limitadas, a fim justamente de
garantir a preservação ambiental), nas quais há a possibilidade de intervenção
e supressão em casos bem delimitados, quais sejam: utilidade pública, interesse
público e atividades de baixo impacto.
Sendo certo que tais exceções,
quando analisadas nas cidades, devem ser interpretadas levando-se em
consideração o Plano Diretor, Estatuto das Cidades, Lei do Minha Casa, Minha
Vida, além das leis municipais sobre parcelamento do solo.
Diretamente no tocante às
permissões de intervenção e supressão, eram estampadas pela Lei nº 4.771/1965
consolidada e, principalmente, pela Resolução CONAMA nº 369/2006.
A Lei nº 4.771/1965, tratou da
questão no seu art. 1º, § 2º, sendo então sucedida pela Resolução do Conama
369/2006. E após, só em 2012, com a promulgação do Novo Código Florestal, Lei
n. 12.651/2012, uma nova lei, dispôs sobre o assunto.
Por este artigo então,
pretende-se analisar se as disposições da Resolução do Conama 369/2006
permanecem preponderantes ou se foram revogadas pela Lei 12.651/2012, bem como
o caráter normativo do órgão Conama e a força de suas resoluções.
Pretende-se ainda, estender as
possibilidades de análises críticas e buscar soluções para problemas a serem
enfrentados em casos concretos, sob a luz dos princípios que regem o Direito
Ambiental, bem como o fator da sustentabilidade.
2 ASPECTOS SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO
AMBIENTE
É
bem verdade que o Direito Ambiental Brasileiro teve sua fonte no Direito
Ambiental internacional, sendo que a partir de então, foi editada a Lei
6938/81, chamada lei da Política Nacional do Meio Ambiente.
Como
se verifica, tal norma foi editada bem antes da Constituição Federal de 1988,
podendo-se dizer então, que por ela recepcionada, pois só a partir da
Constituição Cidadã é que o meio ambiente foi tratado como direito de terceira
geração, sendo elevado seus níveis de dever de proteção ambiental, a fim de que
se resguarde um meio ambiente saudável para as presentes e futuras gerações.
Consoante
doutrina ALEXANDRE DE MORAES, na obra "Direito Constitucional", 15ª
ed; p. 703:
Tais regras consagram constitucionalmente o direito a um meio
ambiente saudável, equilibrado e íntegro, constituindo sua proteção, conforme
reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, 'prerrogativa jurídica de
titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos
humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais
abrangente, à própria coletividade social.'
Por
“Política Nacional do Meio Ambiente” deve-se entender normas e diretrizes que
guiam o Estado Brasileiro para a efetivação do disposto no art. 225 da CF/88.
Em
seu art. 2º a Lei apresenta os princípios orientadores para a consecução dos
objetivos que dispõe:
Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por
objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia
à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade
da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico,
considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente
assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do
ar;
Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos
ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas
representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou
efetivamente poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias
orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas; (Regulamento)
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive
a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na
defesa do meio ambiente.
No
art. 4º da Lei, onde constam os objetivos, já se vislumbra a dinâmica
necessária na atual realidade que é o maior objetivo: o desenvolvimento
sustentável:
Art 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social
com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;
II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental
relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;
III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade
ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;
IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias
nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais;
V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à
divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência
pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do
equilíbrio ecológico;
VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com
vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para
a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de
recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela
utilização de recursos ambientais com fins econômicos.
Não
haveria como atingir tais objetivos sem uma estruturação e divisão de
atribuições em diversos órgãos, o que foi previsto, formando então um sistema,
o SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente), disposto no art. 6º, para
proteção e melhoria da qualidade ambiental.
Dentre
aqueles, está o CONAMA:
Órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho
de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os
recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e
padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial
à sadia qualidade de vida; (…) - art.
6º, II da Lei mencionada.
As
atribuições do CONAMA, órgão colegiado com diversas representatividades, estão
previstas no art. 8º da Lei 6938/81:
Art. 8º Compete ao CONAMA: (Redação dada pela Lei nº 8.028, de 1990)
I - estabelecer, mediante proposta do
IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou
potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo
IBAMA;
II - determinar, quando julgar necessário, a realização de
estudos das alternativas e das possíveis consequências ambientais de projetos
públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais,
bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação
dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou
atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas
consideradas patrimônio nacional.
III - (Revogado)
IV - homologar acordos visando à transformação de penalidades
pecuniárias na obrigação de executar medidas de interesse para a proteção
ambiental
V - determinar, mediante representação do IBAMA, a perda ou
restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, em caráter geral
ou condicional, e a perda ou suspensão de participação em linhas de
financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; (Redação dada pela Vide Lei nº 7.804, de 1989)
VI - estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais
de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações,
mediante audiência dos Ministérios competentes;
VII - estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso
racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.
Parágrafo único. O Secretário do Meio
Ambiente é, sem prejuízo de suas funções, o Presidente do Conama.
Dentre as atribuições
supramencionadas, estará contida neste artigo, a constante do inciso VII, ou
seja: “estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à
manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos
recursos ambientais, principalmente os hídricos.”
Nessa perspectiva, são editadas
Resoluções pelo CONAMA, a fim de cumprirem o objetivo da atribuição citada.
3 DO PODER
NORMATIVO DO CONAMA
Sendo um órgão consultivo e
deliberativo, mas ao mesmo tempo tendo a atribuição de editar normas para
controle e manutenção do meio ambiente, o CONAMA possui poder normativo para
tanto.
A Constituição Federal dispôs
sobre a competência concorrente dos entes (União, Estado e Município) para
disciplinarem a questão ambiental, na elaboração de leis, consoante arts. 22 e
24[1].
Bem certo que o CONAMA se
enquadra no presente sistema por fazer parte do SISNAMA, previsto na Lei
Federal, ou seja, suas resoluções estão enquadradas em um sistema federal, sem
excluir as competências estaduais e municipais, mas que estes a elas se
vinculam.
Hely Lopes Meirelles, explanando
sobre as espécies de atos administrativos, esclarece que as Resoluções são atos
administrativos normativos, ou seja, enquadram-se na categoria daqueles atos
administrativos.
Que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta
aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a
ser observada pela Administração e pelos administrados. Esses atos expressam em
minúcia o mandamento abstrato da lei, e o fazem com a mesma normatividade da
regra legislativa, embora sejam manifestações tipicamente administrativas.
Na análise desse autor,
Chalusnhak em seu artigo “Poder regulamentar do CONAMA: uma limitação à
competência legislativa ambiental estadual?”, escreve:
E as Resoluções prestam-se, dada sua natureza jurídica de ato
administrativo, a oferecer complementações ou explicações aos regulamentos.
Estão, portanto, hierarquicamente submetidos à lei e ao regulamento cujo
conteúdo esclarecem, não podendo, em absoluto, inovar no mundo jurídico,
apresentando obrigações, restrição ou proibição não previstas na lei a qual se
vinculam.
Nessa mesma linha, Fontes e
Segatto, relataram o seguinte em seu artigo “Legiferação do Poder Executivo: as
resoluções do Conama”:
As resoluções são atos normativos infralegais, emanadas por
autoridades da administração pública, diversas do chefe do Poder Executivo, com
a finalidade de estabelecer normas sobre o modo de cumprimento da lei pela
administração. Por não exigirem os mesmos trâmites do processo legislativo
ordinário, as resoluções são mais dinâmicas quanto à sua aprovação e revogação.
Depara-se então com a realidade
de que o CONAMA tem atribuição para expedir suas resoluções quanto ao controle
e manutenção do meio ambiente, já reconhecida pelos tribunais superiores, desde
que tais resoluções externem o que a lei já prevê. Havendo lei em contrário,
prevalece esta em detrimento da resolução, a não ser que a resolução seja mais
benéfica à preservação do meio ambiente.
Pode-se dizer que o caráter
normativo das resoluções do CONAMA é administrativo, não podendo sobrepor à
legalidade, a não ser se for mais benéfico ao meio ambiente, quando então
analisa-se sob a ótica principiológica.
A jurisprudência assim já se
manifestou:
STF-0050785) CONSTITUCIONAL. NATUREZA SECUNDÁRIA DE ATO
NORMATIVO REGULAMENTAR. RESOLUÇÃO DO CONAMA. INADEQUAÇÃO DO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Não se admite a
propositura de ação direta de inconstitucionalidade para impugnar Resolução do
CONAMA, ato normativo regulamentar e não autônomo, de natureza secundária. O
parâmetro de análise dessa espécie de ato é a Lei regulamentada e não a
Constituição. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (Ag. Reg. na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 3.074/DF, Tribunal Pleno do STF, Rel. Teori
Zavascki. j. 28.05.2014, unânime, DJe 13.06.2014).
No artigo quanto à
constitucionalidade material e formal das resoluções emitidas pelo CONAMA,
Mattos e Souza concluem:
Pelo exposto, infere-se que o CONAMA é um órgão regulador do
exercício do direito, uma vez que não regula diretamente as normas
constitucionais, mas sim, as normas legais. As resoluções oriundas de tal órgão
não restringem direito fundamental constitucional, no entanto, regulam sua
aplicação, a fim de que a lei ambiental seja bem empregada em prol da
efetivação do meio ambiente saudável.
Neste sentido, o texto da Carta Magna, em seu artigo 225,
estabelece que todas as pessoas possuem direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo à coletividade e ao poder público o dever de defendê-lo e preservá-lo.
E a atividade exercida pelo CONAMA funciona justamente com tal desígnio
constitucional.
Não há, portanto, negação ao
poder normativo exercido pelo CONAMA, dentro do que lhe foi atribuído pela Lei
da Politica Nacional do Meio Ambiente.
4 O NOVO CÓDIGO FLORESTAL - AS SITUAÇÕES DE
PERMISSÃO DE USO DE APP PARA FINS DE UTILIDADE PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL - E O
QUE ESTAVA PREVISTO NA RESOLUÇÃO CONAMA N. 369 DE 28 DE MARÇO DE 2006 SOBRE A
MESMA MATÉRIA.
Em 25 de maio de 2012 foi
publicada a Lei 12.651, chamada de Novo Código Florestal, após intenso debate e
análise no Congresso Nacional e diversas categorias como ambientalistas e
produtores rurais.
A Lei 12.651/12 manteve no ordenamento
jurídico nacional as áreas de preservação permanente como categoria de espaço
territorial especialmente protegido, definindo-as, em seu art. 3º, II, como
“área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de
preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a
biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o
bem-estar das populações humanas”.
A
criação dos espaços territoriais especialmente protegidos por lei, decorre da
obrigação do Poder Público, prevista no art. 225, CF/88, quanto à preservação
do patrimônio ambiental e a sua integridade.
Ainda,
tal norma constitucional, dispõe que qualquer alteração nesses espaços, depende
de lei:
Art. 225. Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
(…)
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a
alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer
utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua
proteção; (…) Grifou-se.
Ao discorrer vários fundamentos
expondo a inconstitucionalidade do Código Florestal Novo, por ofensa ao
princípio do retrocesso ambiental, a Procuradora da República, Sandra Cureau,
em Adin proposta em 18 de janeiro de 2013, narra a importância atestada por
laudo científico, quanto às áreas de preservação permanente. Veja-se:
Os estudos técnicos anexados à presente ação, especialmente
aquele produzido pelas duas maiores organizações científicas nacionais (a
Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência) demonstram de forma inconteste a importância das áreas de preservação
permanente e das reservas legais para o cumprimento dos deveres fundamentais do
poder público quanto à proteção ambiental (doc. 02). Segundo excertos do citado
documento (fls. 11/13):
'Entre os
pesquisadores, há consenso de que as áreas marginais a corpos d’água – sejam
elas várzeas ou florestas ripárias – e os topos de morro ocupados por campos de
altitude ou rupestres são áreas insubstituíveis em razão da biodiversidade e de
seu alto grau de especialização e endemismo, além dos serviços ecossistêmicos
essenciais que desempenham – tais como a regularização hidrológica, a
estabilização de encostas, a manutenção da população de polinizadores e de
ictiofauna, o controle natural de pragas, das doenças e das espécies exóticas
invasoras.Na zona ripária, além do abrigo da biodiversidade com seu
provimento de serviços ambientais, os solos úmidos e sua vegetação nas zonas de
influência de rios e lagos são ecossistemas de reconhecida importância na
atenuação de cheias e vazantes, na redução da erosão superficial, no
condicionamento da qualidade da água e na manutenção de canais pela proteção de
margens e redução do assoreamento. Existe
amplo consenso científico de que são ecossistemas que, para sua estabilidade e
funcionalidade, precisam ser conservados ou restaurados, se historicamente
degradados.Quando ecossistemas naturais maduros ladeiam os corpos d’água e
cobrem os terrenos com solos hidromórficos associados, o carbono e os
sedimentos são taxados, a água em excesso é contida, a energia erosiva de
correntezas é dissipada e os fluxos de nutrientes nas águas de percolação
passam por filtragem química e por processamento microbiológico, o que reduz
sua turbidez e aumenta sua pureza. (…) A presença de vegetação em topos de
morro e encostas tem papel importante no condicionamento do solo para o
amortecimento das chuvas e a regularização hidrológica, diminuindo erosão,
enxurradas, deslizamento e escorregamento de massa em ambientes urbanos e
rurais. (...)'
Como os locais de especial
preservação merecem proteção legal, inclusive para supressão (casos expressos
na lei), não há como considerar-se qualquer exceção para tanto.
Anterior ao Novo Código
Florestal, o CONAMA (autorizado pelo texto do art. 1º, § 2º, IV, 'c' da Lei
4771/1965), em sua resolução 369 de 28 de março de 2006, dispôs sobre as
possibilidades de exceção de manutenção ou ocupação em áreas de APP, nos
seguintes termos:
Art. 2o O órgão ambiental competente somente
poderá autorizar a intervenção ou supressão de vegetação em APP, devidamente
caracterizada e motivada mediante procedimento administrativo autônomo e
prévio, e atendidos os requisitos previstos nesta resolução e noutras normas
federais, estaduais e municipais aplicáveis, bem como no Plano Diretor,
Zoneamento Ecológico-Econômico e Plano de Manejo das Unidades de Conservação,
se existentes, nos seguintes casos:
I - utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos
serviços públicos de transporte, saneamento e energia;
c) as atividades de pesquisa e extração de substâncias
minerais, outorgadas pela autoridade competente, exceto areia, argila, saibro e
cascalho;
d) a implantação de área verde pública em área urbana;
e) pesquisa arqueológica;
f ) obras públicas para implantação de instalações
necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados; e
g) implantação de instalações necessárias à captação e
condução de água e de efluentes tratados para projetos privados de aquicultura,
obedecidos os critérios e requisitos previstos nos §§ 1o e 2o do art. 11, desta Resolução.
II - interesse social:
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da
vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da
erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas,
de acordo com o estabelecido pelo órgão ambiental competente;
b) o manejo agroflorestal, ambientalmente sustentável,
praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não
descaracterize a cobertura vegetal nativa, ou impeça sua recuperação, e não
prejudique a função ecológica da área;
c) a regularização fundiária sustentável de área urbana;
d) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila,
saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;
III - intervenção ou supressão de vegetação eventual e de
baixo impacto ambiental, observados os parâmetros desta Resolução.
Art. 3ºA intervenção ou supressão de vegetação em APP
somente poderá ser autorizada quando o
requerente, entre outras exigências, comprovar:
I - a
inexistência de alternativa técnica e locacional às obras, planos, atividades
ou projetos propostos;
II - atendimento às condições e padrões aplicáveis aos corpos
de água;
III - averbação da Área de Reserva Legal; e
IV - a inexistência de risco de agravamento de processos como
enchentes, erosão ou movimentos acidentais de massa rochosa. (Grifou-se)
Dessa forma, o CONAMA com seu
poder normativo editou tal resolução que, já analisada por diversos autores (AZEVEDO, R. E. S. de; OLIVEIRA, V P. V. de. Reflexos do
novo Código Florestal nas Áreas de Preservação Permanente), em seu art.
3º traz diversas exigências para a intervenção em área de especial preservação
prevista legalmente e protegida constitucionalmente. Já que como já mencionado,
toda intervenção em APP deve ser exceção, entendendo-se proibida qualquer
intervenção que não a legalmente admitida.
Nesse raciocínio, uma das
exigências mais importantes e obrigadas pela Resolução supramencionada era a
inexistência de alternativa técnica e locacional para a intervenção ou
supressão da APP, totalmente condizente com o sistema de proteção ambiental
garantido pela Constitucional Federal de 1988.
Ocorre que, ao tratar da
matéria, o Código Florestal novo previu:
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se
por:
(…)
VIII - utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos
serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário
aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão
de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à
realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais,
bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila,
saibro e cascalho;
c) atividades e obras de defesa civil;
d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na
proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;
e) outras atividades similaresdevidamente
caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando
inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto,
definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
IX - interesse social:
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da
vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da
erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas;
b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na
pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades
tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não
prejudique a função ambiental da área;
c) a implantação de infraestrutura pública destinada a
esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas
urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei;
d) a regularização fundiária de assentamentos humanos
ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas
consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei no11.977, de 7 de
julho de 2009;
e) implantação de instalações necessárias à captação e
condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos
são partes integrantes e essenciais da atividade;
f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila,
saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;
g) outras atividades similares devidamente
caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando
inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta,
definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
X - atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental:
a) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes
e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de
pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos
das atividades de manejo agroflorestal sustentável;
b) implantação de instalações necessárias à captação e
condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito
de uso da água, quando couber;
c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do
ecoturismo;
d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno
ancoradouro;
e) construção de moradia de agricultores familiares,
remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e
tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço
próprio dos moradores;
f) construção e manutenção de cercas na propriedade;
g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados
outros requisitos previstos na legislação aplicável;
h) coleta de produtos não madeireiros para fins de
subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada
a legislação específica de acesso a recursos genéticos;
i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos,
sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique
supressão da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área;
j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário
e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde
que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a
função ambiental da área;
k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais
e de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente -
CONAMA ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente; (…) Grifou-se.
Assim o Novo Código Florestal,
além de aumentar as possibilidades de intervenção e supressão de APP em casos
de utilidade pública (sistema viário em parcelamentos do solo aprovados pelos
Municípios, gestão de resíduos – construção de aterros sanitários que são
empreendimentos como alto risco de poluição da água e do solo -,
telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de
competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais – com certeza
para resguardar a realização de obras como as mal sucedidas efetuadas para a
copa do mundo e outras para os jogos olímpicos que, ao que se constata não
precisariam de urgência e nenhuma prioridade de serem construídas em áreas de
preservação permanente -) e interesse social (utilização da área para lazer,
esporte), retirou a exigência da inexistência de alternativa técnica e
locacional, sendo esta somente necessária nos casos similares a serem
autorizados pelo Chefe do Poder Executivo Federal e não mais pelo CONAMA
(consoante se infere do art. 8º do Novo Código Florestal).
Segundo doutrina Amado (2013, p. 225 e 226):
Aliás, pelo antigo CFlo, era sempre imprescindível que
inexistisse alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto para a
excepcional exploração de APP em caso de utilidade pública,disposição
intencionalmente não reproduzida no artigo 8º do novo e permissivo Código Florestal
dos ruralistas, salvo no que concerne às hipóteses a serem definidas por ato do
Chefe do Poder Executivo Federal.
[...]
Outrossim, pelo antigo CFlo, era sempre imprescindível que
inexistisse alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto para a
excepcional exploração de APP em caso de interesse social,
disposição intencionalmente reproduzida no artigo 8º do novo Código Florestal,
salvo no que concerne às hipóteses a serem definidas por ato do Chefe do Poder
Executivo Federal.
Nesse ponto, vale mencionar que
com amplo debate atualizado sobre a obrigatoriedade da adoção das melhores
técnicas disponíveis, retirou-se pelo novo texto legal a comprovação de
inexistência de alternativa técnica e locacional, o que mais uma vez contraria
os interesses ambientais. Veja-se que a adoção da melhor técnica disponível é
uma ferramenta possível a ser utilizada para efetivação dos princípios
ambientais da sustentabilidade, da prevenção, do usuário/poluidor pagador e da
indisponibilidade, sendo inferida da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente,
além de outras normas, decorrendo do art. 225 da Constituição Federal de 1988[2].
Bem certo ainda, que os
procedimentos previstos nos artigos 8º e 9º da Resolução 369 e do Novo Código
Florestal foram abrandados, permitindo a intervenção em qualquer tipo de APP,
pública ou privada, para os casos de implantação de área verde em área urbana e
regularização fundiária sustentável, derrogando inclusive as exigências
dispostas na mencionada Resolução do Conama.
Ao discorrerem sobre o assunto,
no artigo “Reflexos do Novo Código Florestal nas Áreas de Preservação
Permanente – APPs – urbanas”, Ruy Emmanuel Silva de AZEVEDO
e Vládia Pinto Vidal de OLIVEIRA, analisam tal situação:
Ao lado das inovações das hipóteses de
utilidade pública comentadas linhas atrás, a regularização fundiária de
interesse social em áreas urbanas consolidadas certamente irá provocar os
maiores impactos do novo CFlo sobre APPs urbanas. Pelo que se pode depreender,
a lógica do novo CFlo, com relação às áreas urbanas consolidadas, não é
promover a recuperação, mas sim consolidar a degradação das APPs ocorrida em
razão da omissão do poder público, desconsiderando, assim, o princípio do não
retrocesso ambiental. Ou seja, o novo CFlo reconhece a ineficiência do poder
público no controle do ordenamento urbano e, no lugar de estabelecer
mecanismos que promovam a recuperação das APPs, apresenta o que se pode chamar
de “gambiarras” jurídicas para consumar a degradação.
E ainda:
Ao longo do trabalho, verificou-se
que, dentre as principais inovações do novo CFlo nos casos de utilidade pública
com reflexos diretos nas APPs urbanas, ganham destaque as seguintes: (1) obras
de infraestrutura destinadas ao sistema viário, inclusive aquele necessário
aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios e (2) instalações
necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou
internacionais. No que se refere às modificações do novo CFlo nas hipóteses de
interesse social, geram maior impacto nas APPs urbanas as seguintes: (1) a
implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades
educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas consolidadas e (2) a
regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por
população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas.
Um dos pontos abordados na Ação
Direta de Inconstitucionalidade – ADI – nº 4.903, ajuizada pela Procuradoria
Geral da República – PGR – perante o Supremo Tribunal Federal-STF em 21/01/2013, foi a inconstitucionalidade da disposição deste texto de lei.
A mencionada ADI, e as ADI’s nº 4.901 e nº 4.902, questionam a constitucionalidade
de diversos dispositivos do Novo Código Florestal.
Do que se transcreve:
(i) Das inconstitucionalidades decorrentes da violação do
dever de vedar qualquer utilização do espaço territorial especialmente
protegido que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua
proteção. a) Das intervenções em áreas de preservação permanente na hipótese de
utilidade pública e interesse social.
49. Conforme salienta o Ministro do Superior Tribunal de
Justiça, Antônio Herman Benjamin, a Área de Preservação Permanente (APP) “como
sua própria denominação demonstra - é área de "preservação" e não de
"conservação"-, não permite exploração econômica direta (madereira,
agricultura ou pecuária), mesmo que com manejo”, tudo com objetivo de favorecer
sua função ambiental, qual seja, a preservação dos recursos hídricos, da
paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade e a proteção do solo.
Inobstante, alguns usos e intervenções em áreas de preservação permanente foram
excepcionalmente admitidos pela legislação, em casos de utilidade pública,
interesse social ou de intervenções de baixo impacto ambiental, tal como prevê
a Lei 12.651/12 e já estabelecia a Lei 4.771/65.
(...)
51. Ocorre que algumas das hipóteses de utilização das áreas
de preservação permanente previstas na Lei 12.651/12 comprometem os atributos
que justificam sua proteção, violando, por consequência, o art. 225, § 1º, III,
da Constituição Federal.
52. Quanto às hipóteses de intervenção em casos de utilidade
pública ou interesse social (incisos VIII e IX do art. 3º), deve ser ressaltado
que, ao contrário do que estabelecia a legislação anterior, a Lei n° 12.651/12
não prevê, de forma explícita, que quaisquer intervenções serão justificadas
apenas excepcionalmente, na hipótese de inexistência de alternativa técnica
e/ou locacional13, o que é essencial para que não seja descaracterizado o
regime de proteção legal dessas áreas.
53. De fato, a lei limitou-se a mencionar a necessidade de
comprovação de inexistência de alternativa técnica e locacional para “outras
atividades similares” (art. 3º, VIII, “e” e IX, “g”) que sejam consideradas de utilidade
pública ou interesse social, deixando de mencionar tais critérios para as
demais hipóteses.
54. A omissão da lei acaba por autorizar interpretações
segundo as quais a intervenção em áreas de preservação permanente é regra e não
exceção, permitindo, na prática, o comprometimento das funções ecológicas de
tais áreas e, portanto, dos atributos que justificam sua proteção.
55. É imprescindível, portanto, que seja conferida
interpretação conforme a Constituição aos incisos VIII e IX do art. 3º da Lei 12.651/12,
no sentido de que, todas as hipóteses de intervenção excepcional em APP, por
interesse social ou utilidade pública, previstas exemplificativamente nos
incisos VIII e IX do art. 3º, sejam condicionadas à inexistência de alternativa
técnica e/ou locacional, comprovada mediante processo administrativo próprio,
conforme alínea “e” do inciso VIII e alínea “g” do inciso IX.
56. Merece atenção, ainda, a previsão constante da alínea “b”
do inciso VIII do art. 3º da Lei 12.651/2012 que apresenta, no rol de
atividades consideradas de utilidade pública para fins de intervenção em área
de preservação permanente, “a gestão de resíduos” e “as instalações necessárias
à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais”.
57. A maioria das atividades previstas no referido
dispositivo legal pode, em tese, se enquadrar como hipótese de intervenção
excepcional em áreas de preservação permanente, desde que não exista
alternativa técnica ou locacional comprovada. É certo, por exemplo, que, para a
implantação de infraestrutura de saneamento por meio de tratamento de esgoto, é
imprescindível a realização de certas intervenções em áreas de preservação
permanente às margens de cursos d’água, para instalação de emissores. Também os
serviços de transporte, de telecomunicações e de transmissão de energia
elétrica muitas vezes não têm outra alternativa de percurso senão por locais
eventualmente caracterizados como áreas de preservação permanente.
58. Contudo, não há qualquer justificativa razoável para permitir
degradação de áreas de preservação permanente para atividades recreativas,
visto que, para essas, em regra, é possível encontrar alternativas locacionais
adequadas. A grande maioria das competições esportivas estaduais, nacionais ou
internacionais pode ser realizada em qualquer local (à exceção dos esportes
aquáticos), sem necessidade de impactar as áreas ambientalmente mais frágeis.
59. Também é completamente desarrazoada a permissão de
intervenção em APP para gestão de resíduos, ou seja, para a instalação de
aterros sanitários.
60. A gestão de resíduos pode causar a contaminação do solo,
do lençol freático e dos cursos d’água por “chorume”14 ou até por substâncias
formadas a partir de reações químicas que ocorrem entre os constituintes dos
resíduos – óleos e até metais pesados. Portanto, é de todo injustificado
permitir –e menos ainda facilitar – que tais atividades sejam realizadas em
áreas de preservação permanente, pois, por sua própria natureza, essas deveriam
localizar-se à distância de quaisquer áreas protegidas, para diminuir o risco
de contaminação.
61. Desta forma, devem ser declaradas inconstitucionais as
expressões “gestão de resíduos” e “instalações necessárias à realização de
competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais” da alínea “b” do
inciso VIII do art. 3° da Lei 12.651/12.
b) Da previsão normativa acerca das atividades de aquicultura
em área de preservação permanente.
62. Ainda sobre as autorizações legislativas para a
utilização das áreas de preservação permanente, é igualmente inconstitucional o
conteúdo do art. 4º, § 6º da Lei 12.651/12, que permite o uso de áreas de
preservação permanente às margens de rios (art. 4o, I) e no entorno de lagos e
lagoas naturais (art. 4o, II) para implantação de atividades de aquicultura15,
a depender de licenciamento ambiental (que já é obrigatório para tal atividade)
e da inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural.
63. De forma genérica, os incisos I, II e V do aludido
dispositivo legal estabelecem que a atividade deverá também adotar “práticas
sustentáveis de manejo de solo e água”, estar de acordo com os respectivos
planos de bacia ou de gestão dos recursos hídricos e, ainda, “não implicar
novas supressões de vegetação nativa”, de onde se depreende que atividades já
instaladas em áreas de preservação permanente degradadas não deverão ser
removidas.
64. Deve ser destacado que a prática de aquicultura pode ter
grande impacto ambiental, envolvendo a introdução de espécies exóticas, a
utilização de produtos químicos, nocivos à vegetação e outras espécies
aquáticas, entre outros. Ademais, as atividades de aquicultura não precisam ser
desenvolvidas em locais próximos a cursos d'água, podendo ser realizadas em
tanques ou açudes construídos para essa finalidade.
65. Assim, a permissão genérica para atividades de
aquicultura em áreas de preservação permanente descaracteriza o regime de
proteção de tais espaços territoriais e viola o dever geral de proteção
ambiental previsto no art. 225 da Constituição da República.
66. Por conseguinte, deve ser declarada a
inconstitucionalidade do § 6º do art. 4º da Lei 12.651/12.
d) Das intervenções em mangues e restingas
67. O art. 8º, § 2º, da Lei 12.651/12 permite a intervenção
em mangues e restingas para implementação de projetos habitacionais, nos seguintes
termos:
Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em
Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade
pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta
Lei.(...)
§ 2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área
de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º
poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do
manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de
urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse
social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.
68. Tal dispositivo também é patentemente inconstitucional,
pois afronta o dever fundamental de restaurar os processos ecológicos
essenciais, explicitamente previsto no art. 225, § 1°, I, da Constituição
Federal. A única hipótese aceitável, autorizadora da ocupação de manguezais,
ocorreria caso atestada de forma irrefutável a completa impossibilidade de
restauração dos processos ecológicos essenciais que o caracterizam.
69. Nessa hipótese, teria havido a completa descaracterização
do ambiente, que sequer poderia ser considerado área de preservação permanente,
restando, apenas, a responsabilização civil e penal dos responsáveis. Em tal
situação, o dispositivo legal em comento seria até mesmo dispensável. 70. As
hipóteses de intervenção acima descritas levam à completa descaracterização do
regime de proteção das áreas de preservação permanente, violam o dever geral de
proteção do meio ambiente (art. 225, caput) e a vedação de utilização de espaço
especialmente protegido de modo a comprometer os atributos que justificam sua
proteção (art. 225, §1°, III). Por isso, deve ser declarada a inconstitucionalidade
do art. 8º, § 2°, da Lei 12.651/12.
e) Do uso agrícola das várzeas
71. O art. 4º, § 5º, da Lei 12.651/12 permite o uso agrícola
das várzeas,(...)
72. Cabe observar que a legislação atualmente em vigor prevê
a possibilidade de regularização de intervenção ou supressão de vegetação em
área de preservação permanente, ocorridas até 24 de julho de 2006, para
atividades sazonais de agricultura de vazante tradicional praticada por
agricultores familiares e empreendedores familiares rurais ( Resolução CONAMA
nº 425/10, art. 2º, IV e parágrafo único).
73. O regime atualmente em vigor tem caráter mais restritivo,
pois: (i) o art. 3º da Resolução CONAMA 425/10 permite apenas a regularização
de agricultor familiar e empreendedor familiar rural, conforme definição do
art. 3º da Lei 11.326/06; (iii) o art. 1º da Resolução CONAMA 425/10 prevê a
regularização das ocupações até 24 de Julho de 2006, ao passo que o texto
aprovado prevê até 22 de Julho de 2008 e (iii) o art. 2º, IV, da Resolução
CONAMA 425/10 permite a manutenção da agricultura de vazante tradicional, mas
proíbe expressamente o uso de agrotóxicos, enquanto o art. 4º, § 5º da norma
impugnada deixa de considerar as áreas de várzea como áreas protegidas
permitindo o exercício de atividades agrícolas, sem considerar o impacto dessas
atividades, mediante avaliação dos órgãos ambientais competentes, e não proíbe
expressamente o uso de agrotóxicos. Por fim, o art. 2º, parágrafo único, da
Resolução CONAMA 425/10 estabelece que a regularização de tais atividades
deverá ser realizada de forma fundamentada pelo órgão ambiental competente, nos
termos do art. 4º do revogado Código Florestal, enquanto o art. 4º, § 5º do
novo Código Florestal não prevê qualquer tipo de controle dos órgãos
ambientais.
(...)
76. Ocorre que a previsão do § 5º traz um tratamento genérico
à cultura de vazante, admitindo sua prática por quaisquer agricultores, desde
que se trate de pequena propriedade ou posse rural familiar. Todavia, segundo
as definições acima transcritas, a agricultura de vazante é prática
desenvolvida por comunidades tradicionais (vazanteiros), e sua aplicação se
justifica tão somente no limite do reconhecimento do “interesse social” dessa
atividade para a manutenção material e cultural destas comunidades, não se
justificando sua adoção de forma geral.
77. Diante do exposto, deve ser dada interpretação conforme a
Constituição ao § 5º, art. 4º da Lei 12.651/12 para que a norma excepcional
seja aplicada somente para comunidades tradicionais (vazanteiros), não se
justificando sua adoção de forma geral.
Da
disposição da matéria regulada pelo Novo Código Florestal, tem-se um total
afastamento da visão de sustentabilidade, ou seja, a predominância do interesse
econômico ficou explicitado, rebaixando os interesses sociais e ambientais,
indispensáveis para toda coletividade.
5 CONCLUSÃO
A limitação da utilização de
espaços de especial preservação como no caso das áreas de preservação
permanente é indispensável para a manutenção e proteção do meio ambiente,
garantindo a existência dos ecossistemas naturais, bem como a qualidade de vida
do homem.
O CONAMA, regulamentado pela Lei
da Política Nacional do Meio Ambiente, editou a Resolução 369 de 2006, a qual
dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo
impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em
Área de Preservação Permanente – APP.
Tal resolução manteve-se vigente e sem maiores discussões
até o ano de 2012, quando então, guiado por interesses econômicos, editou-se a
Lei 12.651/2012, o Novo Código Florestal, que regulou a mesma matéria.
A Lei de Introdução ao Código
Civil, LICC, em seu art. 2º, § 1º estabelece: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que
tratava a lei anterior.”
Antes mesmo da análise de tal
artigo, é preciso mencionar que estamos diante de uma hierarquia de normas, ou
seja, uma lei vale mais que uma resolução, o poder normativo da lei é geral e
irrestrito.
Assim, desde já, o Novo Código
Florestal se sobrepõe à Resolução do Conama. Se não bastasse, e considerando-se
se tratar de duas normas em sentido geral, de acordo com a LICC, a lei
posterior e por ser lei, revogou a RESOLUÇÃO 369 do Conama, naquilo que dispôs
totalmente e no que lhe é incompatível.
Antônio de Azevedo Sodré, na
obra “Novo Código Florestal Comentado”, (p. 100), citando outros autores,
menciona:
“Ana Cláudia La Plata de Mello Franco e Gabriela Silveira
Giacomolli entendem que a Resolução CONAMA em comento perdeu sua aplicabilidade
em nosso ordenamento jurídico, o que nos parece correto, diante do extenso rol
elencado no art. 3º da Lei 12.651/2012.”
Mas, em que pese concluir-se pela
aplicação da Lei Nova, Novo Código Florestal, é certo também que, tais
disposições feriram vários princípios ambientais, em especial o vetor da
sustentabilidade, na preponderância do interesse econômico, mitigando a
importância do interesse social (na medida em que não se atém pela limitação ao
direito de propriedade e sua função social) e a importância do interesse
ambiental (na medida em que não se atém à limitação ao direito de propriedade
para preservação e manutenção de um meio ambiente equilibrado e saudável), bem
como feriu a proibição de retrocesso nas normas ambientais, alargando as
exceções trazidas pelas normas anteriores.
No entanto, embora tenhamos uma conclusão
apocalíptica, por outro norte, tem-se a discussão quanto à
inconstitucionalidade da norma em preponderância (o que poderá ser “uma luz no
fim do túnel”), afinal, é garantia constitucional, direito diretamente ligado à
vida, à dignidade da pessoa, termos um meio ambiente equilibrado, bem de todos,
para as presentes e futuras gerações.
Diante dessa realidade, fica a reflexão: “Somente quando for cortada a última árvore,
poluído o último rio, pescado o último peixe, é que o homem vai perceber que
não pode comer dinheiro!”
(GREENPEACE)
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BRASIL. Lei n.º 11.977, de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa
Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização regularização fundiária de
assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei nº 3.365, de
21 de junho de 1941, as Leis nos4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro
de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a
Medida Provisória nº 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras
providências. Disponível em:
BRASIL. Lei n.º 4.771 de 15 de setembro de 1965. Institui o Código Florestal.
Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em:
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[1] Art. 22: Compete
privativamente à União legislar sobre:(…)IV - águas, energia, informática,
telecomunicações e radiodifusão; (...)
XII - jazidas, minas, outros
recursos minerais e metalurgia; (…)
Art. 24. Compete à União, aos
Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário,
econômico e urbanístico; (…)
I - florestas, caça, pesca, fauna,
conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do
meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural,
artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao
meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico;
[2] LOUBET, Luciano Furtado. Licenciamento Ambiental: A Obrigatoriedade
da Adoção das Melhores Técnicas Disponíveis (MTD). 1ª. ed.Belo Horizonte: Del Rei, 2014.