Por Rodrigo Régnier Chemim Guimarães, Procurador de Justiça no Ministério Público do Paraná. Professor de Direito Processual Penal do Unicuritiba - Centro Universitário Curitiba, da FAE - Centro Universitário Franciscano, da FEMPAR - Fundação Escola do Ministério Público do Paraná e da EMAP - Escola da Magistratura do Paraná.
I.
Introdução.
Passados quase
vinte e cinco anos da promulgação de nossa Constituição da República de 1988;
promovidos diversos estudos doutrinários que indicam o caminho para consolidar
um modelo de processo penal próximo da ideia do chamado "sistema acusatório"; efetivadas
reformas pontuais do Código de Processo Penal e encaminhada uma reforma global
ao Congresso Nacional, ainda não se promoveu o ajuste necessário do papel do
Procurador de Justiça criminal (órgão do Ministério Público Estadual que oficia
em segundo grau de jurisdição), o qual continua exercendo suas funções no plano
primordial de custos legis nos
processos criminais. Este artigo tem a pretensão de buscar as bases históricas
de como se consolidou esse modelo de atuação do Procurador de Justiça
brasileiro, ainda hoje vigente, e provocar reflexões quanto à necessidade dele
ser repensado à luz do novo texto Constitucional de 1988.
Já de
início recorda-se que o tema tem gerado muito debate e controvérsia nos últimos
tempos. Já se encontra na doutrina importantes contribuições de quem sustenta uma
atuação como parte do Procurador de Justiça em segundo grau[1]
e, nessa medida, sustenta também que é ele quem deveria, por exemplo,
apresentar as contrarrazões recursais, não podendo limitar-se a emitir "pareceres"
como custos legis e há quem sustente
que sua função é apenas de custos legis
e não de parte[2] e,
assim, as contrarrazões recursais, para ficar no exemplo, devem ser
apresentadas pelo Promotor de Justiça de primeiro grau, atuando o Procurador de
Justiça de forma autônoma e independente, fiscalizando a lei e não agindo como
parte processual.
Além de
polêmico, como visto, o tema é complexo, com consequências práticas no âmbito
de distribuição de serviço e no plano das garantias processuais penais. Assim,
para compreender melhor como as formas de atuação do Procurador de Justiça
foram se consolidando é que se julga imprescindível uma análise histórica da
atuação do Ministério Público brasileiro nos feitos criminais em segundo grau,
pelo menos a partir da legislação criada com o Império no século XIX, passando
pelo início da República com a multiplicidade de diplomas estaduais; pelo
Código de 1941; pela primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público de
1981, pela Constituição da República de 1988 e pela vigente Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público (Lei 8625/93). Com esse panorama, será possível
compreender os percalços do percurso histórico do papel do Ministério Público
em segundo grau e repensá-lo à luz da Constituição da República de 1988.
2.
A função criminal do Ministério
Público em segundo grau no Brasil Império.
Na época
do Brasil Império ainda não existia uma legislação unificadora do Ministério
Público brasileiro e, assim, tanto o Promotor de Justiça de primeiro grau,
quanto aquele que oficiava perante os Tribunais da Relação, eram tratados en passant e de forma não unificada,
misturando-se, inclusive, na essência, com o próprio Poder Judiciário. Nesse
sentido, são preciosas as lições de Pimenta Bueno, o primeiro processualista
penal genuinamente brasileiro, quando assim descreveu a situação em sua
clássica obra Apontamentos Sobre o
Processo Criminal Brasileiro, de 1857[3]:
Nosso
ministério público, assim como quasi todas as nossas instituições, por ora é
incompleto, sem centro, sem ligação, sem unidade, inspecção e harmonia. Soffre
de mais a mais lacunas graves nas attribuições conferidas a seus agentes,
lacunas que muito prejudicão a administração da justiça: entretanto, como a
instituição está creada, ella se aperfeiçoará com o progresso crescente de
nossos estudos e melhoramentos legislativos.
É
impressionante a lucidez de Pimenta Bueno que em meados do século XIX já
antevia a necessidade de aperfeiçoamento do Ministério Público brasileiro,
notadamente no que concerne às relações intersubjetivas internas. O
interessante é destacar que este importante jurista brasileiro do Império ainda
foi além em seu diagnóstico, identificando que a confusão da origem seletiva
dos Promotores de Justiça com o Poder Judiciário, por paradoxal que seja, não
lhe retirava o papel "de parte":
Os
promotores de justiça das relações são nomeados dentre os desembargadores pelo
governo, nos termos do decreto do 1º de Março de 1758. Têm o tratamento de
excellencia.[4]
(...)
Cumpre
mesmo não confundir a magistratura em geral com a magistratura propriamente
dita, ou por outra judicatura. A magistratura em geral é a função publica
encarregada da applicação ou execução das leis, tanto na ordem administrativa
como judiciária. A judicatura é uma funcção puramente civil ou criminal de
applicação das leis ás relações dos indivíduos entre si, applicação que importa
julgamento. Os membros do ministerio
publico não julgão, não proferem sentenças, pelo contrario são partes.[5]
Em
contraponto à clareza do texto e da visão de Pimenta Bueno, a legislação da
época era confusa quanto à forma de atuação do Procurador em segundo grau. O
Decreto de 20 de Dezembro de 1830, em seu art. 17, assim estabelecia[6]:
Art.
17. Nas causas crimes, em que
não houver parte accusadora, far-se-há a intimação da revista ao Promotor da
Justiça; e far-se-há tambem ao Procurador da Corôa, Soberania e Fazenda
Nacional (sem dependencia de licença) em todas as causas, em que elle
tiver intervindo, como autor ou réo, assistente, ou oppoente; e tanto um como outro arrazoarão em
prazo igual ao concedido ás partes. (grifo nosso)
Ou seja:
da leitura deste Decreto tem-se a impressão que são dois órgãos, duas pessoas e
duas funções diferentes: uma do Promotor da Justiça e outra do Procurador da
Corôa, Soberania e Fazenda Nacional. Na prática, no entanto, essas funções eram
sobrepostas e exercidas por apenas uma pessoa, como, aliás, três anos mais
tarde deixou claro o Decreto de 03 de Janeiro de 1833, estabelecendo:
Art. 1º Cada
uma das Relações do Imperio se comporá de quatorze Desembargadores, dentre os
quaes um será o Presidente nomeado na conformidade do art. 22 do titulo
unico da disposição provisoria ácerca da administração da Justiça Civil, e outro será Promotor da Justiça, e
Procurador da Corôa, Soberania, e Fazenda Nacional, e será nomeado em
conformidade do Decreto do 1º de Março de 1758. (grifo
nosso)
Como
visto, um dos Desembargadores do Tribunal da Relação é que fazia as funções
simultâneas de Promotor da Justiça e Procurador da Coroa, Soberania e Fazenda
Nacional. Essa simbiose também não passou despercebida pela visão crítica de
Pimenta Bueno:
Supremo
Tribunal de Justiça - Serve perante ele o procurador da corôa, que acumula o
cargo de Promotor de Justiça na relação da corte, o que offerece inconvenientes:
lei de 18 de Setembro de 1828.[7]
E no
referido Decreto de 03 de janeiro de 1833, em seu art. 60, estabeleceu-se como
era a atuação do Procurador da Coroa quando do julgamento do recurso de Revista
(embrião inspirador do que hoje se considera a ação de Revisão Criminal):
Art. 60.
As revistas continuarão a ser processadas, e julgadas nas Relações pela maneira
até agora praticada na conformidade do disposto na Lei de 18 de Setembro de
1828, arts. 16, e 17, e no Decreto de 9 de Novembro de 1830, devendo o Procurador da Corôa,
Soberania, e Fazenda Nacional estar presente quando se tratar de revista de
sentenças proferidas em causas, em que a mesma Corôa, Soberania, e Fazenda, por
seu Procurador, tenha tido parte como autora, ré, oppoente, ou assistente, para
poder fazer ao relatorio as observações facultadas pelo art. 3º do citado
Decreto de 9 de Novembro. (grifo nosso)
A Lei de
18 de setembro de 1828, referida no texto do decreto acima, é a lei que criou o
então denominado Supremo Tribunal de
Justiça, nada especificando quanto à participação do Promotor da Justiça ou
do Procurador da Coroa no julgamento do recurso. Já o artigo 3º do Decreto de
09 de novembro de 1830, também referido no mesmo texto do decreto acima
transcrito, estabelecia[8]:
Art. 3º.
No dia designado, o Ministro Relator
apresentará por escripto um relatório circumstanciado dos autos, a que as partes ou seus Procuradores e
Advogados poderão fazer observações, quando fôr inexacto, ou não contiver a
precisa clareza, seguindo-se depois a discussão, e, finda ella, a votação,
em que deverão intervir tantos Juizes pelo menos, quantos forem os da sentença
recorrida, vencendo-se a decisão à maioria de votos, e em caso de empate nas
causas criminaes, quér sobre a condenação, quér sobre o gráo de pena,
seguir-se-ha a parte mais favorável ao réo, e nas causas cíveis desempatará o
Presidente. (grifo nosso)
Como se
vê dos textos legais supra transcritos, o papel do Procurador da Coroa quando
do julgamento colegiado nos Tribunais da Relação, era um tanto obscuro,
limitando-se a estar presente quando do julgamento para, na condição de parte,
após a leitura do relatório pelo Desembargador Relator, intervir fazendo
observações nos mesmos moldes que também era facultado ao advogado da parte
contrária. Não havia uma clara distinção entre dois cargos como hoje: o
Promotor de Justiça como órgão oficiante em primeiro grau e o Procurador de
Justiça como órgão oficiante em segundo grau.
O Código
de Processo Criminal do Império, de 1832, bem como sua maior reforma de 1841,
não trouxeram detalhes da atuação do Ministério Público em segundo grau.
Curioso
destacar que boa parcela da doutrina moderna que trata do Ministério Público[9]
refere, sem qualquer citação de fonte de pesquisa, frise-se, ao Aviso de
16 de janeiro de 1838, como sendo o instrumento legal onde o Promotor de
Justiça teria passado a ser considerado, agora formalmente, também como "fiscal da lei". No entanto, consultando
o texto do referido Aviso, o que nele se lê nem de longe dá a entender o que a
doutrina afirma, repita-se, sem qualquer referência ao texto original e sem
qualquer referência de fonte primária de pesquisa. Essa discrepância permite
considerar que alguém possa ter interpretado esse Aviso nestes termos e, como
os demais doutrinadores não se deram ao trabalho de conferir a fonte primária,
simplesmente foram repetindo e tornando "verdade" a primeira impressão
equivocada de outrem. Para que não reste dúvida e para que, agora com base
na fonte primária, cada um tire suas próprias conclusões, segue o texto
integral do Aviso de 16 de janeiro de 1838[10]:
Aviso de
16 de Janeiro de 1838 dirigido ao Presidente da Província de Goyaz sobre a maneira
de proceder-se contra os Procuradores das partes, e outras providencias.
Illm. E
Exm. Sr. - O Regente Interino, em Nome do Imperador, Ha por bem que V. Ex. faça
constar ao Promotor Publico interino dessa Cidade, em resposta ao seu Officio
de 2 de Novembro do anno passado: 1º, que nenhum Juiz póde, por despacho, ou
sentença, em autos Cíveis, ou Crimes suspender do exercício de Procuradores
aquelles, que o não são de Officio Publico legitimamente providos, mas só por
escolha e aprovação das partes que lhes confere os seus poderes, devendo só
proceder contra eles, como particulares, quando cometerem delictos; 2º, que
póde suspender o Curador, inda que nomeado por outra Autoridade, nos mesmos
casos em que, conforme a Direito, póde e deve suspender os Advogados e
Procuradores dos Auditorios; 3º, que determinada suspensão, simplesmente por
despacho avulso fora de autos, por outro despacho igualmente poderá ser
levantada; mas que, decretada em Sentença definitiva, ou interlocutória, que
para este caso tem força de definitiva, só poderá levantar-se por meio
dappelação, ou de embargos, nos termos da Disp. Prov., Arts. 14 e 15; 4º, que
o Promotor Publico não póde denunciar os delictos de responsabilidade, nem
quaisquer outros, posto que especificados no Art. 37 do Codigo do Processo
Criminal, quando ele mesmo fôr o ofendido, e isto ainda que aliás elle não
tenha a intenção de dar a denuncia, e promover a acusação, como parte; porque a
nenhuma Empregado Publico he licito exercer o emprego á respeito de facto privativamente
seu.
Deos
Guarde a V. Ex. Palacio do Rio de Janeiro em 16 de Janeiro de 1838 - Bernardo
Pereira de Vasconcellos - Sr. Presidente da Provincia de Goyaz."
Como
visto, ao contrário do que afirma praticamente em uníssono a doutrina, nem de
longe o referido Aviso trata a respeito da atuação do Promotor como "custos legis". Ao contrário, reforça sua
atuação como parte, apenas destacando que quando o Promotor tiver interesse
pessoal na causa (como vítima, por ex.) ele não poderá oferecer denúncia.
Feita esta
importante ressalva e demonstrado o equívoco consagrado na doutrina, vale
destacar que foi somente em 1856, através do Decreto nº 1723, de 16 de
fevereiro de 1856, que se determinou que fossem dadas vistas dos autos aos "Desembargadores Promotores de Justiça nos
Tribunais da Relação de todas as Apelações", "para arrazoarem e requererem o que for, "a bem da Justiça", conforme se vê do texto integral do referido
Decreto[11].
Foi,
portanto, precisamente a partir desse momento que o "Desembargador Promotor de Justiça nos Tribunaes da Relação" (o
equivalente ao hoje conhecido Procurador de Justiça) passou a se manifestar por
escrito nos processos de apelação, inclusive deles tomando ciência para
interpor eventual recurso de revista. E da forma como está redigido o
dispositivo fica claro que atuavam como parte, pois a vista era, repita-se,
para "arrazoarem e requererem o que for",
"sendo-lhes igualmente apresentadas as
decisões dos mesmos Tribunaes para interporem revista nos casos em que ella
couber".
No
entanto, a atuação de primeiro e segundo graus ainda pecava pela falta de
regulamentação, pela falta de unidade institucional, o que gerava problemas que
também não passaram despercebidos por Pimenta Bueno[12]:
O nosso
procurador da corôa não tem por nossa lei omissa superioridade nem inspecção
estabelecida sobre os outros agentes do ministerio publico, como tanto convinha
á boa administração da justiça; nossa instituição não tem pois, como já
notámos, harmonia, centro nem unidade; os agentes da 1ª instancia não se entendem
com os da 2ª, e nem estes com aquelle que devia ser seu chefe perante o supremo
tribunal.
O Decreto
de 03 de Janeiro de 1833[13]
ainda previa a possibilidade das partes arrazoarem os recursos de apelação em
segundo grau. A sistemática, no entanto, era para ambas as partes e não apenas
para a defesa como é agora. Quando o recurso fosse enviado ao Tribunal de
Relação sem as razões, lá eram abertas vistas para que as partes - ambas -
apresentassem as razões. Nesse caso, quando se referia "às partes", assim,
genericamente, não especificava o referido Decreto, se era o Promotor de
primeiro grau quem se pronunciaria ou se, ao contrário, seria o Desembargador Promotor, que integrava a
Relação.
Enfim, ao
que extrai dos diplomas legais destacados é que, no curso do Império brasileiro,
o Desembargador Promotor de Justiça e
Procurador da Coroa atuava perante a Corte como parte e não como mero custos legis.
Interessante
observar que no plano legislativo a Instituição do Ministério Público somente
foi assim designada, de passagem, a partir de 02 de maio de 1874, no art. 18 do
Decreto 5618, que dava novo Regulamento às Relações do Império: "Art. 18. O Procurador da Corôa é o orgão do
ministerio publico perante a Relação"[14].
No entanto, ainda era uma estrutura formada a partir do Poder Judiciário, com o
Procurador-Geral sendo escolhido dentre os Desembargadores da Relação e, nos
termos do art. 21, "Nos feitos em que não
tiverem de intervir como orgãos do ministerio publico, os Procuradores da Corôa
das Relações das Provincias julgarão como os outros Desembargadores". Ou
seja: os membros do Ministério Público atuavam como "partes" nos processos
criminais e como "Desembargadores" com jurisdição nos julgamentos onde não
havia necessidade de intervenção como Ministério Público, tendo, aqui, inclusive
direito a voto!
Com essa
análise é possível afirmar que não é desta época a tradição hoje mantida de
atuação do Procurador de Justiça apenas sob a forma de "pareceres", agindo tão somente como custos legis em segundo grau.
Passa-se,
então, a verificar o que se deu quando da transição para a República, a partir
de 1889.
3.
A atuação do Ministério Público
criminal em segundo grau na Primeira República (1889 a 1930): o plano federal.
A partir
da proclamação da República, notadamente com o advento da Constituição de 1891
(arts. 55 e ss.), a Justiça no Brasil passou a dividir-se em Justiça Federal e
Justiças Estaduais.
Não
obstante esse marco temporal (1891) o primeiro regramento republicano que criou
a estrutura da Justiça Federal no Brasil, antecede em alguns meses a
Constituição de 1891. Trata-se do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890[15],
editado pelo General Deodoro da Fonseca, ainda no chamado Governo Provisório da
República, que estabeleceu, em seu parágrafo único do art. 5º, que "o Presidente da República nomeará um dos
membros do Supremo Tribunal Federal para exercer as funções de Procurador Geral
da Republica". Em que pese tenha dado destaque ao Ministério Público, este
mesmo Decreto, ao tratar das funções do Procurador Geral da República, provocou
confusões na percepção da Instituição, pois, como visto, se de um lado o
Procurador Geral da República ainda originava-se do Poder Judiciário sem,
contudo, participar dos julgamentos como Magistrado[16],
de outro agia em nome do Poder Executivo[17].
Assim, da
redação da letra "b", do art. 22 (nota de rodapé supra), extrai-se que o
Procurador-Geral da República atuava como "representante
da União", oficiando e dizendo "de
direito em todos os feitos submettidos à jurisdicção do Supremo Tribunal".
Essa regra, não obstante possa até gerar discussões de exegese, indicava no
sentido de atuação como custos legis,
porém, não exatamente em nome do Ministério Público, mas sim como "representante da União", algo próximo à
origem embrionária, medieval e francesa da instituição: os "Procurateurs du Roi" do Rei Felipe, o
Belo.
De resto
o Decreto também regulamentava a atuação do Procurador da República em primeiro
grau na Justiça Federal, destacando, de forma um tanto confusa, suas funções
como titular da ação (como "parte", portanto)[18].
Como se
vê da letra "d" do art. 24, do Decreto (transcrita em nota de rodapé, supra), a
qual trata das funções do Procurador da República em primeiro grau, a regra
indicava que ele atuava nos processos criminais "até ao seu final julgamento", o que poderia dar a entender uma
atuação em grau recursal, porém, em seguida complementa, dizendo que essa atuação
se dava "quer perante os juízes
singulares, quer perante o Jury", o que implica em reconhecer que ele não
atuava em segundo grau e quando disse "até
ao seu final julgamento" quis dizer apenas até o final da primeira
instância. Ao menos é o que se extrai da lógica sistemática do regramento.
Dando
sequencia à análise legislativa dessa época, logo em seguida foi editado o
Decreto nº 1030, de 14 de novembro de 1890, o qual organizou a Justiça no
Distrito Federal, e, em seus artigos 164 e seguintes, tratou especificamente do
Ministério Público, sendo que pela primeira vez este foi tratado como
Instituição estruturada hierarquicamente[19].
Essa
estrutura também indicava que a atuação em segundo grau no âmbito da Justiça do
Distrito Federal reservava-se a apenas duas pessoas: ao procurador geral e ao
sub-procurador. Não havia, portanto, uma ampla atuação colegiada de
Procuradores de Justiça, como se vê hoje em dia.
Por sua
vez, o Decreto nº 2579, de 16 de agosto de 1897, que consolidou e completou as
disposições regulamentares do decreto 1030, na parte relativa à competência da
justiça local, também tratou do Ministério Público e, disciplinando suas
diversas funções elencadas no artigo 44, de forma inédita nos textos
normativos, inseriu o termo "parecer"
em relação à atuação ministerial em diversos momentos dos feitos de natureza
criminal, verbis[20]:
Art. 44.
Ao ministerio publico, em geral, incumbe:
(...)
IV dar parecer sobre a queixa da
parte, nos crimes de acção privada;
(...)
VI dar parecer sobre a formação da
culpa em todos os processos, salvo os da Junta correccional;
(...)
IX dar parecer sobre o libello
offerecido pela parte, nos crimes de acção privada;
(...)
XIV dar parecer:
a) em
todos os pedidos de prisão - feitos por precatoria ou extradicção das justiças
do paiz, ou por meio de requisição da autoridade ou requerimento da parte;
b) sobre
a allegação de prescripção criminal, sobre lançamento e sobre concessão de
habeas-corpus e fianças criminaes;
c) em
todas as questões de perdas e damnos contra juizes e mais funccionarios da
justiça;
d) sobre
os embargos de nullidade e acções rescisorias, no caso de violação de lei
expressa;
(...)
Como se
vê do texto acima, que trata das funções "em
geral" e particularmente nos feitos em primeiro grau, a expressão "dar parecer" é inserida no texto do
Decreto como forma do Ministério Público manifestar-se, porém não apenas ou
necessariamente como custos legis,
mas sim também como parte autora. De fato, em alguns momentos em que a
expressão "dar parecer" é encontrada
no texto, ela aparece vinculada à atividade de parte no curso do processo: "dar parecer" "sobre a formação da culpa", sobre "todos os pedidos de prisão" e sobre as "alegações de prescrição criminal".
O artigo
45 do mesmo diploma normativo, que tratava especificamente das funções do
Procurador Geral, também se valia novamente do termo "parecer" para claramente referir-se à atuação, tanto como custos legis, quanto como "parte", representando
o Ministério Público perante o Tribunal e respectivas Câmaras:
Art. 45. Ao procurador geral, especialmente, incumbe:
§ 1º Como
chefe do ministerio publico:
(...)
X dar parecer sobre as propostas
das transferencias dos juizes do Tribunal Civil e Criminal e da Côrte de
Appellação, de uma para outra camara.
§ 2º Como representante do ministerio publico
perante a Côrte de Appellação:
(...)
c)
suscitar ou dar parecer sobre
conflictos de jurisdicção e de attribuição;
d) dar parecer sobre concessão de
habeas-corpus e fianças criminaes;
(...)
b) dar parecer sobre os embargos de
nullidade e acções rescisorias, no caso de violação de lei expressa;
III perante cada uma das camaras:
a) dar parecer em todos os processos em que
o ministerio publico deve ser ouvido;
b) officiar em todos os processos em que o
ministerio publico deve ser representado.
§ 3º Como representante do ministerio publico
perante a Côrte de Appellação, tambem incumbe-lhe:
I promover o andamento dos processos, a execução
das sentenças condemnatorias e a prisão dos réos, em todos os crimes de acção
publica ou iniciados por queixa do ministerio publico;
II assistir ás sessões do conselho supremo e da
camara criminal.
(...)
O
regramento supra destacado é cristalino em apresentar as funções do Procurador
Geral não apenas como um "parecerista
custos legis", mas também como efetivo "representante" do Ministério
Público enquanto parte no processo criminal. O mesmo tratamento foi dado às
funções do Sub-procurador, como Sub-Chefe do Ministério Público, com ampla
atuação perante os Tribunais[21].
O
interessante é que o termo "parecer" aparece
novamente no Decreto, ao regulamentar as funções dos Promotores Públicos, oficiantes em primeiro grau:
Art. 49.
O 1º e o 2º promotor publico servirão exclusivamente perante o Jury:
(...)
Paragrapho
unico. A cada um desses promotores, especialmente, incumbe:
I dar parecer sobre a formação da culpa,
nos crimes da competencia do Jury;
II
offerecer libello accusatorio, addital-o ou dar parecer sobre o mesmo, conforme o art. 44 paragrapho
unico ns. VII, VIII e IX;
(...)
V interpôr os recursos legaes e
arrazoal-os e, naquelles em que couber acção do ministerio publico, responder
ás razões dos interpostos pelas partes;
(...)
VIII dar parecer sobre prescripção,
sobre lançamento e fianças criminaes;
(...)
§ 1º
Perante a camara criminal, especialmente, incumbe-lhe:
I dar
denuncia ou queixa (art. 44 paragrapho unico ns. I e II) e additar ou dar parecer sobre a queixa da
parte (art. 44 paragrapho unico ns. III e IV) nos crimes da competencia da
camara, ou nos da competencia do Jury mandados denunciar pelo procurador geral
ou pelo sub-procurador;
(...)
III dar parecer sobre os pedidos de
prisão - feitos por precatoria ou extradicção, ou por meio de requisição da
autoridade ou a requerimento da parte;
(...)
VII dar parecer sobre todas as appellações
da Junta correccional.
(...)
E, como
visto acima, também aqui se incumbia ao Promotor
Público recorrer e apresentar as razões de recurso. Ou seja: conjugando as
duas regras (art. 47, §2º, I, "a" e art. 49, parágrafo único, V), vê-se, de
forma precisa, uma dupla manifestação do Ministério Público quando dos recursos
por ele interpostos, pois o Promotor
Público devia apresentar as "razões"
e o Sub-Procurador devia "dar parecer
sobre todos os recursos crimes e em todos os outros processos em que o
ministerio publico deve ser ouvido". E nessa linha, a expressão "dar parecer" acabou se consolidando, na prática,
como mera atuação custos legis e não
como parte, inclusive nos feitos criminais. Enfim, ao consagrar a expressão "dar parecer", a Lei consagrou também uma
forma semântica de interpretação que não permitiu atuação diversa, isto é, quem
"dá parecer" diz aquilo que "lhe parece", ou seja: limita-se a dar
uma "opinião", conduzindo, assim, à
ideia de atuação como mero custos legis.
É deste texto do Decreto nº 2579, de 16 de agosto de 1897, portanto, que se deu
a origem legal, no plano federal, da dupla manifestação ministerial em grau
recursal nos processos criminais.
Ainda na
primeira República o Decreto 9623, de 28 de dezembro de 1911, igualmente tratou
do Ministério Público (artigos 158 e ss.). No art. 162, §4º, disciplinou que
eram os Promotores Públicos que
deviam "Officiar nas fianças e outros
incidentes dos sobreditos processos, e interpôr as appellações e recursos
legaes das sentenças e decisões nelles proferidas." e, no artigo 161,
tratando das funções do Procurador-Geral, estabelecendo que ele deveria "Officiar nas appellações e recursos
criminaes, e seus incidentes, processos de habeas-corpus, suspeição dos
desembargadores, juizes de direito e pretores, e conflictos de jurisdicção ou
de attribuição." O que se percebe, portanto, é que este Decreto de 1911
também regulamentou uma dúplice atuação processual nos feitos criminais,
reforçando a divisão que pode ser lida, ora como "parte", ora como custos legis.
No
entanto, o mesmo Decreto, disciplinando a respeito dos recursos criminais e da
forma de julgamento, previu, a pedido "das
partes", a possibilidade de ocorrer "uma
discussão oral", um "debate", "por si ou seus advogados" e também entre
o "representante do Ministério Público".
A redação da regra indica que o papel do Ministério Público, quando do
julgamento do recurso não era de "parte", e sim apenas de custos legis, pois, quando falava em partes representadas por si ou
por seus advogados, tratava, por evidente, da parte autora privada e do
acusado, deixando o Ministério Público a
latere dessa classificação de parte no julgamento do recurso[22].
Por fim,
o Decreto nº 16.273, de 20 de dezembro de 1923[23],
reorganizando a Justiça do Distrito Federal, novamente tratou do Ministério
Público, ampliando o regramento em Capítulo inteiro dedicado a dar-lhe
dignidade Institucional, podendo-se afirmar que ele compôs o embrião do que se
considerou, mais adiante, como a Lei Orgânica do Ministério Público.
4.
A atuação do Ministério Público
criminal em segundo grau na Primeira República (1889 a 1930): o plano estadual
e o Estado do Paraná em particular.
No plano
estadual, nesse período da República brasileira, cada Estado da Federação
adotava regras específicas em relação às suas Justiças e, por conseguinte,
também adotava um Código de Processo Penal próprio (alguns Estados ainda
continuavam a adotar o Código de Processo Criminal do Império, a exemplo de
Goiás, São Paulo e Pará[24]).
No Estado
do Paraná a Justiça foi regulamentada pelo Congresso Legislativo do Estado do
Paraná através da Lei nº 191, de 14 de fevereiro de 1896[25],
conhecida como "Lei Judiciária". O Ministério Público aparecia já no artigo 1º
desta Lei, tratado como "auxiliar das
autoridades judiciárias", e composto de "um Procurador Geral da Justiça, membro do Superior Tribunal de Justiça,
como chefe", "um promotor público em
cada comarca", um "adjunto de
promotor público em cada termo", e "curadores
geraes de órfãos, interdictos, ausentes e massa falidas, em cada termo".
A exemplo
do que ocorria no Distrito Federal o que se percebe é que em segundo grau havia
a atuação apenas do Procurador Geral, sendo inexistente um conjunto de cargos
de Procuradores de Justiça equivalentes ao número de Desembargadores, como é
hoje. O Procurador-Geral ainda era escolhido pelo Chefe do Poder Executivo,
dentre os Desembargadores, para mandato de quatro anos. Já os promotores
públicos, oficiantes em primeiro grau, eram livremente escolhidos pelo
Governador do Estado dentre os bacharéis e doutores em direito, sendo que, "em falta de graduados, poderá ser nomeado
qualquer cidadão brasileiro, maior de 21 annos, que a juízo do Governador,
preencha as necessárias condições".
Quanto
aos recursos, incumbia aos promotores públicos "interpor os recursos legaes" (art. 107, §3º) e ao Procurador-Geral
"officiar e dizer de direito sobre todas
as appellações e recursos criminaes que subirem ao Superior Tribunal de Justiça"
(art. 105, §8).
Posteriormente,
através da Lei nº 281, de 25 de julho de 1898, estabeleceu-se que a escolha do
Procurador Geral da Justiça continuava sendo feita livremente pelo Poder
Executivo, mas agora era exercida junto ao Superior Tribunal de Justiça do
Paraná por "um cidadão graduado em
direito ou de notória capacidade, que seja extranho ao mesmo Tribunal"[26]. O
que decorreu de curioso desta novidade do Procurador Geral não ser mais
escolhido entre os Desembargadores, segundo Rui Cavallin Pinto[27], é
que a partir de então foi necessário resolver uma questão prática: o lugar de
assento do Procurador-Geral na sala de julgamento. O Tribunal passou a entender
que se ele não era mais um de seus pares não podia ficar sentado no mesmo
plano. No entanto, prevaleceu a tradição, tendo sido editada no Paraná a "Lei n. 420/1901, cujo art. 3º passou a
dispor que o "Procurador-Geral era parte complementar do Superior Tribunal de
Justiça do Estado" e "tomará assento à mesa das sessões deste Tribunal
ocupando, quando Desembargador, a cadeira que, como tal lhe competir, e quando
não, a que se seguir e em que tenha assento o Desembargador mais novo".
Esse dado é interessante, pois ao mesmo tempo em que o Procurador-Geral passou
a ser escolhido por um "extranho ao mesmo
Tribunal", continuou a ser tratado como "parte complementar" da Corte, nos moldes parecidos com o que se dá
ainda hoje na Magistratura italiana e portuguesa (Ministério Público e
Magistratura formam um corpo único). De outra sorte, esta aproximação também
revela, como importante pano de fundo, que o status de ser "parte
complementar do Superior Tribunal de Justiça do Estado" seguramente
contribuiu para moldar o modo de atuação do Procurador Geral na fase recursal,
isto é, para fazer com que ele atuasse mais como um magistrado integrante da
Corte do que propriamente como "parte" autora da ação penal.
Ainda no
plano estadual o Paraná criou o seu Código de Processo Criminal do Estado do
Paraná, através da Lei Estadual nº 1916, de 23 de fevereiro de 1920[28],
alterada pela Lei 2.012, de 21 de março de 1921[29].
A respeito dos recursos criminais, assim estabelecia o Código de Processo Criminal
do Estado do Paraná:
Art. 662º
- Os recursos voluntários devem ser interpostos por simples petição no prazo
improrrogável de cinco dias, contados da intimação ou da publicação do
despacho, na presença da parte vencida ou seu procurador. O Promotor Publico será também considerado como parte.
(...)
Art. 664º
- Interposto o recurso juntarão as
partes as suas allegações e documentos que tiverem, no prazo de cinco
dias, cada uma, e o Juiz no de dez fundamentadamente sustentará ou reformará a
decisão.
(...)
Art. 672º
- O Presidente mandará dar vista dos
autos ao Procurador Geral."
(...)
"Art.
685º - Interposta a appellação poderá
esta, a aprazimento das partes, ser arrazoada no Juizo "a quo", ou na instância
superior. Para a produção destas razões em qualquer caso, terão as partes, dez dias, cada
uma, seja singular ou seja colectiva, sendo esses prazos accrescidos ao
determinado no art. 666, caso a appellação seja arrazoada em 1ª instancia."
(...)
"Art.
687º (...)
§1º - Si as partes já houverem arrazoado na 1ª
instância, o Presidente mandará dar logo vista ao Procurador Geral com
o prazo de cinco dias.
§2º - Si as partes, porém, não tiverem
arrazoado na 1ª instância, o Presidente distribuirá o feito e o
Desembargador a quem tocar mandará
dar vista conforme a segunda parte do art. 685, depois do que irão os autos ao
alludido Procurador Geral.
Art. 688º
- Com o parecer do Procurador Geral
subirão de novo os autos ao juiz instructor, procedendo-se quanto ao mais como
nas appellações cíveis."
Como se
vê, o Código de Processo Criminal do Estado do Paraná também seguia a linha de
atuação dúplice do Ministério Público na fase recursal do processo criminal:
primeiro o Promotor Público - que atuava como parte apresentando suas "allegações e documentos"- e, depois, o
Procurador-Geral da Justiça.
O Código
estadual também previa, como acima transcrito, a possibilidade de escolha - "a aprazimento das partes" - das razões
serem apresentadas no juízo "a quo" ou na instância superior. De uma forma ou
de outra, as razões deviam ser apresentadas pelas "partes" e, como visto, o
Promotor Público, era formalmente considerado "parte". Depois de apresentadas
as razões, dava-se vista ao Procurador Geral da Justiça, ou seja, dava-se vista
a outra figura processual diversa das "partes". Não obstante não constasse na
lei a forma de atuação do Procurador Geral da Justiça, este oficiava como custos legis apenas, apresentando
"pareceres" conforme se extrai de suas manifestações nos recursos criminais
arquivados nos Relatórios Anuais da Procuradoria Geral da Justiça do Estado do
Paraná. Para ilustrar, segue trecho de uma destas manifestações aleatoriamente
pinçada dos anais de 1928[30]:
Appelação
Crime nº 2174 de Guarapuava, em que são:
Appellante
- A Justiça e Appellado - Henrique Braga.
Parecer.
Egregio
Tribunal.
Parece-me
que deve ser dado provimento á appellação interposta para o efeito de ser
mandado o réu a novo jury.
(...)
É o meu
parecer.
Procuradoria
Geral da Justiça, em 14 de março de 1928.
Arthur da
Silva Leme - Procurador Geral da Justiça.
Destaca-se,
também, que as manifestações eram sempre do Procurador Geral da Justiça, ou
seja, apenas ele atuava em segundo grau, sempre nessa linha dizer o que "lhe parecia" do caso. Exarava, portanto,
uma opinião apenas, repita-se.
5.
A atuação do Ministério Público
criminal em segundo grau na Segunda e na Terceira Repúblicas - (1930 a 1964).
Com a
Revolução de 1930 acabou-se a autonomia dos Estados e o Brasil passou a contar
com uma nova Constituição Federal, de 1934, que institucionalizou o Ministério
Público, tratando-o, no Capítulo VI, artigos 95 a 98, como "órgão de cooperação nas atividades
governamentais"[31].
O
Ministério Público, então, afastou-se de certa forma do Poder Judiciário e
aproximou-se decisivamente do Poder Executivo. A mudança é visível inclusive na
nomenclatura usada para a estrutura administrativa, pois se deixa de referir à Procuradoria-Geral da Justiça, a qual
passa a denominar-se Procuradoria-Geral
do Estado.
Logo em
seguida veio a Constituição Federal de 1937 que tratou apenas en passant do Ministério Público como
Instituição, consolidada que estava sua incorporação ao Poder Executivo, e fez
rápidas menções à figura do Procurador-Geral da República (art. 95, parágrafo
único e art. 99). No campo processual recursal, a atuação continuava se dar em
forma de "parecer", sempre e tão somente, agora pelo Procurador Geral do
Estado, como se vê deste pronunciamento aleatoriamente colhido do Relatório da
Procuradoria Geral do Estado do Paraná de 1938[32]:
Apelação
Crime nº 3948 de Castro, em que são: apelante - João Paím e apelada - A
Justiça.
Parecer.
Egrégio
Tribunal:
Sou de
parecer que, desprezadas as preliminares levantadas, as quais, a meu ver, não
têm procedência, se negue provimento ao recurso, interposto aliás, só com
fundamento na letra b) do artº. 668 do Cod. do Proc. Crim., para confirmar a
decisão apelada, que foi proferida de inteiro acordo com a prova dos autos. O
apelante, de resto, não alega quanto ao mérito, apegando-se a nulidades
inexistentes.
Procuradoria
Geral do Estado, em 12 de outubro de 1938.
Manoel
Lacerda Pinto
Procurador
Geral do Estado.
Nesse
período ditatorial do Estado Novo, a principal novidade legislativa foi o
Código de Processo Penal de 1941, inspirado no Codice Rocco italiano, de ideologia fascista e que reunificou a
legislação ordinária nacional no plano processual penal, revogando os diversos
Códigos de Processo Penal estaduais.
No tema
em análise o então novel Código de Processo Penal Brasileiro estabeleceu no
art. 257 que o "Ministério Público
promoverá e fiscalizará a execução da lei" e no art. 610 consignou que o
Procurador-Geral teria vista dos autos de recurso em sentido estrito e nas
apelações por cinco dias, antes do julgamento, ainda sem esclarecer formalmente
a finalidade, podendo o Procurador-Geral, depois de anunciado o julgamento,
usar da palavra, caso assim requeresse, por dez minutos (se o delito for punido
com detenção ou for contravenção) ou por quinze minutos (se o delito for
apenado com reclusão). Diz o artigo 610 do ainda hoje vigente Código de
Processo Penal brasileiro:
Art. 610. Nos recursos em sentido estrito,
com exceção do de habeas corpus,
e nas apelações interpostas
das sentenças em processo de contravenção ou de crime a que a lei comine pena
de detenção, os autos irão
imediatamente com vista ao procurador-geral pelo prazo de cinco dias,
e, em seguida, passarão, por igual prazo, ao relator, que pedirá designação de
dia para o julgamento.
Parágrafo
único. Anunciado o
julgamento pelo presidente, e apregoadas as partes, com a presença
destas ou à sua revelia, o relator fará a exposição do feito e, em seguida, o presidente concederá, pelo prazo de 10
(dez) minutos, a palavra aos advogados ou às partes que a solicitarem e ao
procurador-geral, quando o requerer, por igual prazo.
Na
prática, no entanto, o pronunciamento nos recursos criminais continuou sendo
realizado pelo Procurador Geral do Estado e sempre na forma de "parecer",
conforme se constata de uma das manifestações colhidas do Relatório da
Procuradoria Geral do Estado do Paraná de 1943[33]:
Apelação
Crime nº 4959, de Iratí, em que são: apelante - Augusto Buguoi, apelada - a
Justiça.
Parecer.
Egrégio
Tribunal:
1 -
Julgando provada a autoria, o Dr. Juiz fixou a pena em quatro anos de reclusão,
sem individualiza-la, e se referindo a grau médio, como si fôsse o regime da
Consolidação. Diz a sentença recorrida:
(...)
Em
conclusão, meu parecer é pela anulação do processo, da sentença inclusive, em
diante.
Procuradoria
Geral do Estado, em 17 de fevereiro de 1943.
Brasil
Pinheiro Machado, Procurador Geral do Estado.
O
interessante de destacar é que o artigo 616, do mesmo Código de Processo Penal,
previu a possibilidade de complementação da instrução criminal em segundo grau,
com novo interrogatório e reinquirição de testemunhas e novas diligências
probatórias:
Art. 616.
No julgamento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo
interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras
diligências.
Ora, em
que pese não fique claro como se dará essa instrução e na prática se saiba que
ela sempre foi sistematicamente ignorada, o fato é que é possível abrir-se nova
instrução em segundo grau. Nesse caso, é óbvio, fica implícita a necessidade do
Ministério Público dela participar, e como parte! Como se trata de instrução
suplementar perante o Tribunal, não é difícil concluir que quem deveria ser
chamado a atuar, por evidente, não era o Promotor de primeiro grau, mas sim o "Procurador
Geral do Estado".
Com a
Constituição Federal de 1946 o Ministério Público voltou a ter capítulo próprio
(arts. 125 e ss.) com expressa alusão ao fato de que a União era representada
em juízo pelos Procuradores da República. Estabeleceu-se, ainda, que nos
Estados o Ministério Público deveria ser organizado em carreira (art. 128).
Assim, nos Estados, seguindo o modelo da União, o Ministério Público continuava
sendo um órgão vinculado ao Poder Executivo, chefiado pelo Procurador-Geral do
Estado, que representava tanto o Ministério Público quanto o Estado perante o
Tribunal. Os membros do Ministério Público eram submetidos ao regime geral dos
servidores públicos do Estado, sendo que no Paraná a atividade era regida pela
Lei Estadual nº 12115, de 28 de outubro de 1941, conhecida como Estatuto dos
Funcionários Públicos Civis do Estado, complementada, em alguns aspectos, pelo
Decreto-Lei nº 9688, de 18 de março de 1940 (Lei de Organização Judiciária do
Estado). Assim prosseguiu-se nas décadas de 40[34]
e 50[35] até
meados dos anos 60[36].
É
importante destacar que analisando os pronunciamentos nos arquivos do
Ministério Público do Paraná constata-se que até meados da década de 1940[37], no
Paraná, somente o Procurador Geral do Estado oficiava nos recursos criminais
perante o Tribunal de Justiça. Somente no ano de 1948[38]
identifica-se, no lugar do Procurador-Geral do Estado, em algumas raras
ocasiões, a atuação nos feitos criminais de segundo grau, de um solitário
Sub-procurador-Geral do Estado. Já na década de 1950 aparecem oficiando com
frequência, nos feitos criminais junto ao Tribunal de Justiça do Paraná, além
do Procurador Geral do Estado, também outros quatro Subprocuradores-gerais do
Estado[39]. Por
sua vez, na década de 1960, além do Procurador Geral do Estado e dos
Subprocuradores-Gerais do Estado, também começam a se manifestar em segundo
grau alguns Promotores Públicos convocados a atuar no Gabinete do Procurador
Geral do Estado, estes últimos sempre com a chancela do Procurador Geral, como
se exemplifica a seguir[40]:
RECURSO CRIME EM SENTIDO ESTRITO
Nº 78/61, de CURITIBA
RECORRENTE: JOSÉ BRESINA, vulgo "JUCA"
RECORRIDA: A JUSTIÇA.
PARECER Nº 36
A prova
carreada aos autos revela que o recorrente deu início à execução de homicídio,
que não se consumou por circunstâncias alheia à sua vontade, que não permitiu
alcançar o seu intento.
O
Ministério Público deixou de oferecer denúncia no prazo legal, lançando no
processo a promoção de fls. 23, no sentido de ser aguardada a iniciativa da
parte interessada.
Não
houvesse o ofendido oferecido queixa crime os autos estariam esquecidos, sem
qualquer procedimento criminal contra o réu.
Somos de
parecer que é de ser negado provimento ao recurso.
Curitiba,
10 de janeiro de 1962.
EDUARDO
CORREA BRAGA
Promotor
Público, conv.
VISTO:
ALCINO DE
CARVALHO E SOUZA
Procurador
Geral do Estado.
Em
síntese: até meados da década de 1940 apenas o Procurador Geral do Estado
falava em nome do Ministério Público em segundo grau; de 1948 a 1968 (quando
vai ser editada a primeira Lei Orgânica do Ministério Público do Paraná, como
se verá adiante), o quadro de membros do Ministério Público que oficiava
perante os Tribunais em sede de recursos criminais vai sendo lentamente ampliado,
inicialmente, por um Sub-Procurador Geral, depois por quatro Sub-Procuradores
Gerais e, finalmente, pela convocação de Promotores Públicos para oficiar no
Gabinete do Procurador Geral.
Seja como
for, também ao longo destas décadas, manteve-se consolidada a atuação em forma
de "pareceres" e uma atuação sempre respaldada pela ideia de substituição ao
Procurador-Geral do Estado.
6.
A atuação do Ministério Público
criminal em segundo grau no regime ditatorial militar (1965 a 1985).
Ao longo
da ditadura militar prevaleceu o mesmo Código de Processo Penal de 1941, sem
grandes novidades na legislação federal ordinária relacionada à forma de
atuação do Ministério Público em segundo grau.
Já quanto
à organização do Ministério Público brasileiro o texto da Constituição Federal
de 1967 (e também aquela de 1969), em seus arts. 94 e ss. determinava que leis
complementares devessem organizá-lo em carreira. É precisamente a partir deste
momento que serão mais bem estruturadas as carreiras escalonadas do Ministério
Público brasileiro, estabelecendo-se a equivalência com a Magistratura:
Promotores e Juízes em primeiro grau; Procuradores e Desembargadores em segundo
grau. Muda, inclusive a nomenclatura, que deixa de ser Procurador Geral do
Estado e volta a ser Procurador Geral da Justiça.
No âmbito
paranaense tivemos a edição da Lei Orgânica do Ministério Público do Paraná: a
Lei Estadual nº 5849, de 25 de setembro de 1968. Esta lei tem fundamental
importância na análise da temática da atuação do Ministério Público estadual
criminal em segundo grau, pois foi ela quem criou os cargos de Procuradores de
Justiça, para além do Procurador Geral, no âmbito do Ministério Público do
Paraná[41]:
Art. 1º. São
agentes do Ministério Público do Paraná:
I - em segunda
instância:
a) o
Procurador Geral da Justiça;
b) os
procuradores da Justiça;
c) o
corregedor do Ministério Público;
d) o
Conselho Superior do Ministério Público;
II - em
primeira instância:
a) os
curadores;
b) os
promotores de justiça;
c) os
advogados de ofício;
d) os
promotores substitutos."
E em seu
artigo 7º estabeleceu as funções dos Procuradores de Justiça:
Art. 7º.
Aos procuradores da Justiça incumbe:
I - promover a ação penal, nos casos de
competência originária do Tribunal de Justiça, quando designados pelo
Procurador Geral;
II -
oficiar perante as Câmaras Criminais ou Cíveis, separadas ou reunidas, do
Tribunal de Justiça, de acôrdo com a designação firmada pelo Procurador Geral,
e assistir facultativamente às suas sessões;
III -
substituir, na ordem de antigüidade no cargo, o Procurador Geral, nas suas
faltas, impedimentos, licenças e férias;
IV - emitir pareceres nos processos que lhes
forem distribuídos e subscrever, junto às respectivas Câmaras, os que forem
exarados pelos promotores e curadores convocados ou que estiverem prestando
serviços na Procuradoria Geral;
V - interpor os recursos legais, inclusive
para o Supremo Tribunal Federal, nos processos em que oficiarem;
VI -
exercer, mediante designação do Procurador Geral ou do Conselho, quando o
exigir o interêsse da Justiça, as funções do Ministério Público que, em
determinado feito ou ato, devam ser desempenhadas por outro agente;
VII -
requisitar, da autoridade competente e das repartições públicas, as
diligências, certidões e quaisquer esclarecimentos necessários ao desempenho de
suas funções;
VIII -
representar, ao Procurador Geral, por escrito, sôbre irregularidades ou falhas
observadas, propondo medidas convenientes ao aperfeiçoamento dos serviços do
Ministério Público;
IX - proceder
a sindicâncias ou correições parciais, a respeito de atos dos agentes do
Ministério Público, em qualquer comarca do Estado, mediante designação do
Procurador Geral ou do Conselho, incumbindo-lhes coligir provas nos respectivos
expedientes;
X - concorrer,
em geral, com a sua atuação, para a uniformidade e eficiência dos serviços do
Ministério Público.
Como se
percebe da redação acima, notadamente dos incisos IV e V, os Procuradores de
Justiça deviam "emitir pareceres nos
processos que lhes forem distribuídos e subscrever, junto às respectivas
Câmaras, os que forem exarados pelos promotores e curadores convocados ou que
estiverem prestando serviços na Procuradoria Geral". No entanto, os
Procuradores de Justiça também tinham a incumbência de recorrer das decisões
desfavoráveis ao Ministério Público e aqui, não está claro se deviam fazê-lo
apenas como custos legis nos feitos
criminais, haja vista que essa atividade no âmbito do Ministério Público é
essencialmente uma atividade de parte. Os Procuradores de Justiça passaram a
atuar como uma longa manus do
Procurador-Geral, quando este ainda era escolhido dentre os integrantes da
Corte. Atuavam como se integrassem a Corte. Tanto era assim, que o tratamento
que os Promotores de Justiça convocados ou designados davam ao Procurador Geral
da Justiça era de Desembargador, como se vê, a título ilustrativo, do seguinte
pronunciamento dirigido ao Procurador Geral em sede de análise do art. 28 do
Código de Processo Penal[42]:
INQUÉRITO POLICIAL Nº 61/69, de CORNÉLIO PROCÓPIO.
INDICIADO: JOSÉ SERAFIM ALVES.
OFENDIDO: JOSÉ CARLOTA DE ALENCAR DO NASCIMENTO
(Art.
28, do Cód. de Proc. Penal).
PARECER Nº 3.086
EXCELENTISSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PROCURADOR
GERAL DA
JUSTIÇA
1. O Dr. Juiz de Direito da Comarca de Cornélio Procópio
determinou, com fundamento no art. 28, do Cód. de Processo Penal, que o
presente inquérito policial subisse à elevada apreciação de Vossa Excelência,
em virtude do Dr. Promotor de Justiça ter se negado a oferecer denúncia.
2. (...)
7. Nessas condições, opinamos, data venia, pela
designação de outro Promotor de Justiça para o oferecimento da denúncia contra
José Serafim Alves, pelo cometimento de lesão corporal leve.
É o
parecer, sub censura.
Curitiba,
15 de dezembro de 1969.
FELIPE
AMAURY FIORILLO
Promotor
de Justiça designado
A
contradição, no entanto, resta evidenciada quando o "parecer" do Procurador
requer alguma coisa. Ora, se está apenas externando uma "opinião" não há como
requerer processualmente qualquer diligência ou decisão neste ou naquele
sentido.
Por sua
vez, os Promotores de Justiça deveriam, dentre outras funções, "recorrer de decisões judiciais" (art.
20, XIII).
No âmbito
nacional, somente quando já se caminhava para o final desse período ditatorial,
em 1981, é que foi editada a primeira lei orgânica do Ministério Público
brasileiro: a Lei Complementar nº 40[43],
que permitiu a unificação de entendimento da Instituição em todo o Brasil,
traçando diretrizes a serem observadas por todos os Ministérios Públicos
estaduais e pelo Ministério Público federal.
Esta lei
assim dividiu as funções de primeiro e segundo graus dentro do Ministério
Público:
Art. 5º - O Ministério Público dos Estados será
integrado pelos seguintes órgãos:
a) Procuradoria-Geral de Justiça;
b) Colégio de Procuradores;
c) Conselho Superior do Ministério Público;
d) Corregedoria-Geral do Ministério Público;
II - de
execução:
a) no segundo grau de jurisdição: o
Procurador-Geral de Justiça e os
Procuradores de Justiça;
b) no primeiro grau de jurisdição: os Promotores de
Justiça.
(...)
Art. 9º -
Os Procuradores de Justiçacomporão
o Colégio de Procuradores, cujas
atribuições e competência serão definidas pela lei estadual, obedecido
o disposto na presente Lei Complementar.
(...)
Art. 10 -
A função de Ministério Público junto
aos Tribunais, salvo junto ao Tribunal do Júri, somente poderá ser exercida por titular do cargo de Procurador de
Justiça, vedada a sua substituição por Promotor de Justiça.
(...)
Art.
14 - Incumbe ao
Procurador-Geral e aos Procuradores
de Justiça as funções específicas dos membros do Ministério Público estadual na
segunda instância, e aos Promotores de Justiça, na primeira.
(...)
Art. 20 -
Além das garantias asseguradas pela Constituição, os membros do Ministério Público dos Estados gozarão das seguintes
prerrogativas:
(...)
IV - ter vista dos autos após distribuição às
Turmas ou Câmaras, e intervir nas sessões de julgamento para sustentação oral
ou esclarecer matéria de fato;
A
legislação não esmiuçou as funções do Procurador de Justiça particularmente no
plano criminal, tratando do Procurador de Justiça em âmbito genérico. No Paraná
continuava vigente a Lei Estadual nº 5849, de 25 de setembro de 1968. De outra
sorte, a Lei Complementar 40/81 deixou claro que o Procurador de Justiça era
órgão de execução do Ministério Público em segundo grau, gozando da
prerrogativa de "ter vista dos autos após
distribuição às Turmas ou Câmaras", além de poder "intervir nas sessões de julgamento para sustentação oral ou para
esclarecer matéria de fato". Agora, se esta vista dos autos e se a
respectiva intervenção na sessão de julgamento era para agir como parte ou como
"custos legis" não havia
especificação detalhando. Numa obviedade exegética, a atuação deveria estar
relacionada ao tipo de processo e de interesse da Instituição.
No
entanto, como se sabe, na praxe os Procuradores de Justiça consolidaram uma
atuação criminal em segundo grau apenas como custos legis, mesmo quando o Ministério Público era parte autora da
ação penal. Nesse sentido, inclusive, foi a constatação de Hugo Nigro Mazzili,
quando analisou as atribuições dos Procuradores de Justiça à luz da Lei
Complementar 40/81[44]:
Em termos
práticos, a realidade forense tem mostrado que os procuradores, no mais das
vezes, se limitam a: a) proferir pareceres em casa, na fase recursal dos feitos
em que haja obrigatoriedade da intervenção ministerial; b) propor raras ações
(v.g. por designação do procurador-geral, raras rescisórias de iniciativa do
Ministério Público); c) interpor alguns poucos recursos, se encampados pelo
procurador-geral de justiça; d) oficiar junto às câmaras, fazendo sustentações
orais; não em todos os casos, porém, a que se refere o parágrafo único do art.
15 da Lei Complementar n. 40/81, mas apenas naqueles que se reputem mais
relevantes."
E assim
as coisas caminharam até a consolidação da nova democracia brasileira com a
Constituição de 1988.
6.
A atuação do Ministério Público
criminal em segundo grau a partir da Constituição Federal de 1988.
A
Constituição de 1988 é um marco revolucionário no processo penal brasileiro,
trazendo uma carta interna de direitos e garantias do cidadão que insere o país
noutro patamar sistemático. Ainda que se possa admitir que ela não trace
propriamente um "sistema" acusatório de processo penal (o qual, de resto nunca
existiu ao longo da história em sua forma pretensamente pura), é certo que se
aproxima do modelo ideal pregado pela doutrina desde o século XIX, notadamente
quando insere, implicitamente, a ideia de inércia jurisdicional no art. 129, I.
Aliás, este mesmo artigo dá ao Ministério Público a privativa função de
exercitar a ação penal pública e, assim, reestrutura o modelo de processo penal
no Brasil, consolidando-o como processo de partes.
Daí a
importância de se bem compreender o papel do Ministério Público nessa nova
realidade, sem olvidar que ela colide ideologicamente com o vetusto Código de
Processo Penal brasileiro que ainda é estruturalmente o mesmo da década de 40
do século passado. Este instrumento processual infraconstitucional vem sofrendo
intensas - porém, pontuais - reformas setoriais que visam ajustá-lo à nova
realidade constitucional. Destaque-se a nova redação do art. 212, do Código de
Processo Penal, dada pela Lei 11.690, de 2008, que em contraponto à redação
original do Código, reforça a importância da assunção de sua função de parte
pelo Ministério Público brasileiro:
Art. 212.
As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não
admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação
com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo
único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a
inquirição.
Como se
sabe, a redação antiga do artigo 212 do Código de Processo Penal adotava o que
se usou denominar de "sistema presidencialista", onde as perguntas eram
formuladas às testemunhas exclusivamente pelo Juiz, sendo ele o senhor absoluto
da coleta da prova testemunhal. As partes, quando muito, sugeriam ao Juiz, ao final,
a formulação de reperguntas que, julgando-as pertinentes, tomava-as para si e
as reformulava para a testemunha. Como se percebe, a redação do art. 212 do
C.P.P. diz que "as perguntas serão
formuladas pelas partes". Não diz, portanto, que serão formuladas pelo
Juiz. Aliás, reserva ao Juiz a possibilidade de "complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos".
O ponto relevante desta alteração redacional é que agora o juiz deixa de ser o
gestor da prova, passando tal tarefa às partes, diretamente, e apenas ao final,
de forma subsidiária, é que poderá complementar a inquirição. Essa é uma
verdadeira mudança de sistema, daquele que se usou denominar inquisitório para
outro, rotulado como acusatório. Isso transforma o processo penal brasileiro e o
consolida como um "processo de partes", reforçando a necessidade de o
Ministério Público brasileiro repensar seu modo de atuação processual, seja em
primeiro, seja em segundo grau de jurisdição, pois deixa de ter atuação
subsidiária para ser o protagonista principal.
Essa
necessidade também é exigida pela mesma Constituição Federal quando consolidou
o direito à presunção de inocência e a garantia da ampla defesa aos acusados em
geral, deslocando o ônus da prova integralmente ao Ministério Público. Assim,
diferente da vetusta interpretação gramatical do art. 156 do CPP (ônus da prova
incumbe a quem alega), agora ele merece ser filtrado a partir destes novos
paradigmas constitucionais. Assim, também aqui e mais uma vez, a postura do
Ministério Público no processo penal brasileiro exige revisão para que ele se
assuma como "parte" autora e não mero custos
legis.
Destaque-se,
que isso não fere de morte a ideia de imparcialidade da Instituição, que não
pode ser confundida com a ideia de imparcialidade do julgador. Assim,
inicialmente, é preciso entender a diferença existente entre "imparcialidade" e "impartialidade", conforme lição
de Werner Goldschmidt[45]. No
caso, o Ministério Público é "partial", com "t", porque é uma das partes da
relação jurídica processual, mas é "imparcial", com "c", porque não está
vinculado a uma tese acusatória custe o que custar. Já a defesa é "partial" e
"parcial", pois compõe um dos polos da demanda e, também, está,
obrigatoriamente, vinculada a uma tese defensiva, sob pena de nulidade do
feito. O Juiz, por sua vez, é "impartial" e "imparcial", seja porque não é
parte, na relação jurídica, seja porque não está obrigado a acatar ou defender,
necessariamente, uma das teses sustentadas pelas partes.
No mesmo
sentido, a lição de Paulo Rangel[46]:
"A
imparcialidade material do membro do Ministério Público não pode ser confundida
com a parcialidade instrumental, ou seja, com a capacidade de ser parte, a
legitimatio ad causam. Tanto é o Ministério Público imparcial no seu agir à luz
do direito material que está autorizado, e assim deve fazê-lo, a requerer a
absolvição do acusado quando verificar que o mesmo é inocente, ou não houver
provas de sua culpabilidade. Se ser parte instrumental fosse ser parcial quanto
ao direito material deduzido em juízo, não estaria o Ministério Público
autorizado a opinar pela absolvição."
Portanto,
é evidente que a atuação do Ministério Público como "parte" também em segundo
grau não o transforma, por si só, em parcial. Continuará atuando com a mescla
da função de custos legis, como
"parte imparcial" que é, porém, agindo sobremaneira como parte autora da ação
penal, que irradia seus efeitos para a fase recursal.
Ademais,
a atuação do Ministério Público no processo penal merece também ser lida à luz
do que disciplina a mesma Constituição de 1988 como um dos princípios
institucionais para o Ministério Público: a unidade (art. 127, §1º), que não
pode ser quebrada em segundo grau.
Nem mesmo
a nova Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8625/93) tratou os
Procuradores de Justiça como meros "pareceristas custos legis", simplesmente repetindo, em seu art. 19, §1º; em seu
art. 31 e em seu art. 41, "caput" e inciso III, praticamente o mesmo texto já
consagrado na revogada Lei Complementar nº 40/81, supra analisada.
Com essa
nova realidade processual penal, manter a atuação do Procurador de Justiça apenas
como custos legis em segundo grau,
cria uma discrepância funcional que torna o Ministério Público acéfalo, como
parte, em segundo grau nos feitos criminais. Há, na prática, um abandono da
titularidade da ação penal em grau recursal o que não é admissível e deve ser
urgentemente repensado.
Aliás, já
há até mesmo precedentes dos Tribunais Superiores brasileiros[47] que
acenam nesse sentido e vem sendo rotineiramente ignorados pela Instituição, inclusive
uma decisão do Pleno do S.T.F. (HC 87926), à unanimidade,:
"HC 87926 / SP - SÃO
PAULO

HABEAS CORPUSRelator(a): Min. CEZAR PELUSO
Julgamento: 20/02/2008 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008
EMENT
VOL-02316-04 PP-00665
RTJ
VOL-00204-02 PP-00751
LEXSTF v.
30, n. 356, 2008, p. 349-375
Parte(s)
PACTE.(S):
PAULO FRANCISCO DA COSTA AGUIAR TOSCHI
PACTE.(S):
SÉRGIO ANTÔNIO BERTUSSI
IMPTE.(S):
ARNALDO MALHEIROS FILHO E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES):
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: AÇÃO PENAL. Recurso. Apelação exclusiva do Ministério Público.
Sustentações orais. Inversão na ordem. Inadmissibilidade. Sustentação oral da
defesa após a do representante do Ministério Público. Provimento ao recurso.
Condenação do réu. Ofensa às regras do contraditório e da ampla defesa,
elementares do devido processo legal. Nulidade reconhecida. HC concedido.
Precedente. Inteligência dos arts. 5º, LIV e LV, da CF, 610, § único, do CPP, e
143, § 2º, do RI do TRF da 3ª Região. No processo criminal, a sustentação oral
do representante do Ministério Público, sobretudo quando seja recorrente único,
deve sempre preceder à da defesa, sob pena de nulidade do julgamento.
E do
corpo deste v. julgado extraem-se as seguintes esclarecedoras passagens:
Ainda que
invoque a qualidade de custos legis, o representante do Ministério Público deve
sempre pronunciar-se, na sessão de julgamento de recurso, antes da sustentação
oral da defesa.
E,
prossegue o voto condutor mais adiante:
Estou em
que fere, igualmente, as garantias da defesa todo expediente que impeça o
acusado de, por meio do defensor, usar da palavra por último, em sustentação
oral, sobretudo nos casos de julgamento de recurso exclusivo da acusação.
Invocar, para negá-lo, a qualidade de custos legis do Ministério Público
perante os tribunais, em sede recursal, parece-me caracterizar um desses
artifícios linguísticos que tendem a fraudar as garantias essenciais a sistema
penal verdadeiramente acusatório ou de partes.
(...)
De fato, na ação penal de iniciativa
pública, condicionada ou não, o Ministério Público é parte, se não em sentido
material - porque o poder-dever de acusar e punir não é dele, mas do Estado -
é-o, ao menos formalmente, parte acusadora (...)
Desse
modo entendo difícil, senão ilógico, cindir a atuação do Ministério Público no
campo recursal, em processo crime: não há excogitar que, em primeira instância,
seu representante atue apenas como parte formal e, em grau de recurso - que,
frise-se, constitui mera fase do mesmo processo - , se dispa dessa função para
entrar a agir como simples fiscal da lei.
Órgão uno e indivisível, na dicção
do art. 127, §1º, da Constituição da República, não há como admitir que o
Ministério Público opera tão-só como custos legis no curso do processo onde, em
fase diversa, já tenha funcionado, mediante outro órgão, como encarregado da
acusação, sob pena de violentar a própria sintaxe acusatória do processo penal.
O conteúdo da opinião legal, de fundo, exposto no parecer ou na sustentação
oral, é de pouco relevo neste tema. Ou seja, ainda que, no mérito, o Ministério
Público postule a absolvição do acusado, continua sempre órgão incumbido da
acusação e não deixa de agir ou de poder agir como parte que é. Conclusão
diversa levaria à concepção de processo de parte única, o acusado, o que parece
absurdo diante de um sistema garantista, acusatório, marcado pela garantia da
contraditoriedade.
Portanto,
como se vê das precisas colocações do julgado acima transcrito, está mais do
que evidenciado que a partir da Constituição da República de 1988 e,
marcadamente a partir das reformas pontuais do Código de Processo Penal,
notadamente aquela do art. 212, com a nova redação de 2008, que o Ministério
Público em segundo grau deve repensar e reformular seu modo de atuação no
processo criminal, como se passa a expor em sede conclusiva.
7.
Conclusões.
De
tudo quanto se expos acima, seja no plano evolutivo histórico, seja no plano
constitucional contemporâneo, é possível extrair algumas conclusões gerais
nesse campo da atuação do Ministério Público criminal em segundo grau:
1)
Na época do Brasil Império a função simultânea de
Promotor e Procurador da Coroa, Soberania e Fazenda Nacional era exercida por
um Desembargador do Tribunal da Relação. Tinha uma função obscura nos textos
legais, limitando-se a estar presente quando do julgamento para, na condição de
parte, após a leitura do relatório pelo Desembargador Relator, intervir fazendo
observações nos mesmos moldes que era facultado ao advogado da parte contrária.
Enfim, no curso do Império brasileiro o Desembargador Promotor de Justiça e
Procurador da Coroa como regra atuava perante a Corte como parte e não como mero
custos legis, agindo, no entanto,
como Desembargador com jurisdição nos julgamentos onde não havia necessidade de
intervenção como Ministério Público, tendo, aqui, direito a voto! Com essa
análise é possível afirmar que não é desta época a tradição hoje mantida de
atuação do Procurador de Justiça apenas sob a forma de "pareceres", agindo tão
somente como custos legis em segundo
grau.
2)
Na primeira república se, de um lado, o Procurador
Geral da República ainda originava-se do Poder Judiciário sem, contudo,
participar dos julgamentos como Magistrado, de outro, agia em nome do Poder
Executivo. Nessa época a atuação em segundo grau reservava-se a apenas duas
pessoas: ao procurador geral e ao sub-procurador. Não havia, portanto, uma
ampla atuação colegiada de Procuradores, como se vê hoje em dia.
3)
A expressão "dar
parecer" em relação à atuação ministerial em diversos momentos dos feitos
de natureza criminal surgiu com o Decreto nº 2579, de 16 de agosto de 1897, que
consolidou e completou as disposições regulamentares do decreto nº 1030 de
1890. No entanto, em alguns momentos em que a expressão "dar parecer" é encontrada no artigo 44 do texto, ela aparece
vinculada à atividade de parte no curso do processo: "dar parecer" "sobre a
formação da culpa", sobre "todos os
pedidos de prisão" e sobre as "alegações
de prescrição criminal". Seja como for, ao consagrar a expressão "dar
pareceres", a legislação da época consagrou também uma forma semântica de
interpretação, isto é, quem dá "parecer" diz aquilo que "lhe parece", ou seja:
limita-se a dar uma "opinião", conduzindo, assim, à ideia de atuação como mero custos legis.
4)
No plano federal, a origem da dupla manifestação
ministerial em grau recursal nos processos criminais surge da conjugação do
art. 47, §2º, I, "a" com o art. 49, parágrafo único, V, ambos do Decreto nº
2579, de 16 de agosto de 1897. Nestas regras vê-se, de forma precisa, uma dupla
manifestação do Ministério Público quando dos recursos por ele interpostos,
pois o Promotor Público devia apresentar as "razões" e o Sub-Procurador devia "dar parecer sobre todos os recursos crimes e em todos os outros
processos em que o ministerio publico deve ser ouvido".
5)
No Estado do Paraná a Justiça foi regulamentada
pelo Congresso Legislativo do Estado do Paraná através da Lei nº 191, de 14 de
fevereiro de 1896, conhecida como "Lei Judiciária" e, a exemplo do que ocorria
no Distrito Federal, o que se percebe é que em segundo grau havia a atuação
apenas do Procurador Geral, sendo inexistente um conjunto de cargos de
Procuradores de Justiça equivalentes ao número de Desembargadores, como é hoje.
O Procurador-Geral ainda era escolhido pelo Chefe do Poder Executivo, dentre os
Desembargadores, para mandato de quatro anos. Já os promotores públicos,
oficiantes em primeiro grau, eram livremente escolhidos pelo Governador do
Estado dentre os bacharéis e doutores em direito, sendo que, "em falta de graduados, poderá ser nomeado
qualquer cidadão brasileiro, maior de 21 annos, que a juízo do Governador,
preencha as necessárias condições". Quanto aos recursos, incumbia aos
promotores públicos "interpor os recursos
legaes" (art. 107, §3º) e ao Procurador-Geral "officiar e dizer de direito sobre todas as appellações e recursos
criminaes que subirem ao Superior Tribunal de Justiça" (art. 105, §8). No
Paraná, somente através da Lei nº 281, de 25 de julho de 1898, estabeleceu-se
que a escolha do Procurador Geral da Justiça continuava sendo feita livremente
pelo Poder Executivo, mas agora era exercida junto ao Superior Tribunal de
Justiça do Paraná por "um cidadão
graduado em direito ou de notória capacidade, que seja extranho ao mesmo
Tribunal". No entanto, ao mesmo tempo em que o Procurador-Geral passou a
ser escolhido por um "extranho ao mesmo
Tribunal", continuou a ser tratado como "parte complementar" da Corte, nos moldes parecidos com o que se dá
ainda hoje na Magistratura italiana e portuguesa (Ministério Público e
Magistratura formam um corpo único). De outra sorte, esta aproximação também
revela, como importante pano de fundo, que o status de ser "parte complementar do Superior Tribunal de
Justiça do Estado" seguramente contribuiu para moldar o modo de atuação do
Procurador Geral na fase recursal, isto é, para fazer com que ele atuasse mais
como um magistrado integrante da Corte do que propriamente como "parte" autora
da ação penal. O Código de Processo Criminal do Estado do Paraná, através da
Lei Estadual nº 1916, de 23 de fevereiro de 1920, também seguia a linha de
atuação dúplice do Ministério Público na fase recursal do processo criminal:
primeiro o Promotor Público - que atuava como parte apresentando suas "allegações e documentos"- e, depois, o
Procurador-Geral, este sem qualquer definição formal no modo de atuação, mas
seguindo uma postura de integrante da Corte, oficiava como "custos legis" apenas.
6)
A partir de 1941 entrou em vigor o Código de
Processo Penal Brasileiro, reunificando a legislação e estabelecendo no art.
610 que o Procurador-Geral teria vista dos autos de recurso em sentido estrito
e nas apelações por cinco dias, antes do julgamento, ainda sem esclarecer
formalmente a finalidade; e no art. 616 previu a possibilidade de complementação
da instrução criminal em segundo grau, com novo interrogatório e reinquirição
de testemunhas e novas diligências probatórias, a qual, por óbvio, deve ser
acompanhada pelo Procurador de Justiça em clara atuação como parte.
7)
Mesmo depois do Código de Processo Penal de 1941,
no Paraná, até meados da década de 40, apenas o Procurador Geral do Estado
falava em nome do Ministério Público em segundo grau. De 1948 a 1968 (quando
foi editada a primeira Lei Orgânica do Ministério Público do Paraná), o quadro
de membros do Ministério Público que oficiava perante os Tribunais em sede de
recursos criminais foi sendo lentamente ampliado, evidenciando-se, em 1948,
algumas poucas intervenções do Subprocurador-Geral do Estado; nos anos 50 uma
ampliação do número de subprocuradores-gerais, que passou de um para quatro, os
quais também oficiavam em segundo grau e, a partir da década de 60, a presença
em segundo grau de alguns poucos Promotores Públicos convocados.
8)
Os cargos de Procuradores de Justiça, para além do
Procurador Geral, no âmbito do Ministério Público do Paraná, somente foram
criados com a Lei Estadual nº 5849, de 25 de setembro de 1968, que em seu art.
7º, incisos IV e V, estabeleceu que os Procuradores de Justiça deveriam "emitir pareceres nos processos que lhes
forem distribuídos e subscrever, junto às respectivas Câmaras, os que forem
exarados pelos promotores e curadores convocados ou que estiverem prestando
serviços na Procuradoria Geral". Essa referência a "emitir pareceres" acabou reforçando, mais uma vez, na prática, a
atuação custos legis e não como
parte, inclusive nos feitos criminais. No entanto, os Procuradores de Justiça
também tinham a incumbência de recorrer das decisões desfavoráveis ao
Ministério Público e aqui, não está claro se deviam fazê-lo apenas como custos legis nos feitos criminais, haja
vista que essa atividade no âmbito do Ministério Público é essencialmente uma
atividade de parte.
9)
Somente com a Lei Complementar nº 40/81 permitiu-se
a unificação de entendimento da Instituição em todo o Brasil, traçando
diretrizes a serem observadas por todos os Ministérios Públicos estaduais e
pelo Ministério Público federal. Esta Lei deixou claro que o Procurador de
Justiça era órgão de execução do Ministério Público em segundo grau, gozando da
prerrogativa de "ter vista dos autos após
distribuição às Turmas ou Câmaras", além de poder "intervir nas sessões de julgamento para sustentação oral ou para
esclarecer matéria de fato".
10)
A Constituição de 1988 é um marco revolucionário no
processo penal brasileiro, trazendo uma carta interna de direitos e garantias
do cidadão que insere o país noutro patamar sistemático. Ainda que se possa
admitir que ela não trace propriamente um "sistema" acusatório de processo
penal (o qual, de resto nunca existiu ao longo da história em sua forma
pretensamente pura), é certo que se aproxima do modelo ideal pregado pela
doutrina desde o século XIX, notadamente quando insere, implicitamente, a ideia
de inércia jurisdicional no art. 129, I.
11)
A nova redação do art. 212, do Código de Processo
Penal, dada pela Lei 11.690, de 2008, que acaba com o sistema
"presidencialista" da audiência criminal e incumbe às partes gerirem a produção
da prova e a nova exegese do art. 156 do CPP, filtrada à luz dos princípios
constitucionais da presunção da inocência e da ampla defesa, que outorga ao
Ministério Público o ônus integral da prova, inserem o processo criminal
brasileiro no modelo de processo de partes, exigindo revisão da postura do
Procurador de Justiça em segundo grau que não pode continuar atuando apenas
como custos legis. Aliás, já há até
mesmo precedentes dos Tribunais Superiores brasileiros, inclusive do Pleno do
S.T.F. (HC 87926), à unanimidade, que acenam nesse sentido e vem sendo
rotineira e perigosamente ignorados pela Instituição.
12)
Para compreender a forma de atuação do Ministério
Público, ou seja, a simbiose de parte e custos
legis, é preciso entender a diferença existente entre "imparcialidade" e
"impartialidade", conforme lição de Werner Goldschmidt. O Ministério Público é
"partial", com "t", porque é uma das partes da relação jurídica processual, mas
é "imparcial", com "c", porque não está vinculado a uma tese acusatória custe o
que custar. Já a defesa é "partial" e "parcial", pois compõe um dos polos da
demanda e, também, está, obrigatoriamente, vinculada a uma tese defensiva, sob
pena de nulidade do feito. O Juiz, por sua vez, é "impartial" e "imparcial",
seja porque não é parte, na relação jurídica, seja porque não está obrigado a
acatar ou defender, necessariamente, uma das teses sustentadas pelas partes.
13)
Portanto, é evidente que a atuação do Ministério
Público como "parte" também em segundo grau não o transforma, por si só, em
parcial. Continuará atuando com a mescla da função de custos legis, como "parte imparcial" que é, porém, agindo
sobremaneira como parte autora da ação penal, que irradia seus efeitos para a
fase recursal.
14)
A nova Lei Orgânica Nacional do Ministério Público
- Lei 8625/93 - não tratou os Procuradores de Justiça como meros "pareceristas custos legis", repetindo,
em seu art. 19, §1º; em seu art. 31 e em seu art. 41, "caput" e inciso III,
praticamente o mesmo texto já consagrado na revogada Lei Complementar nº 40/81.
15)
Manter a atuação do Procurador de Justiça como mero
custos legis em segundo grau, cria uma
discrepância funcional que torna o Ministério Público acéfalo, como parte, em
segundo grau nos feitos criminais. Há, na prática, um abandono da titularidade
da ação penal em grau recursal o que não é admissível e deve ser urgentemente
repensado.
16)
Diante do quadro apresentado é imperioso rever o
papel do Procurador de Justiça na área criminal em segundo grau de jurisdição,
sem que isso signifique esvaziar a função criminal dos Procuradores de Justiça.
Na lógica de sua atuação como parte os Procuradores de Justiça estão
autorizados, por exemplo, a apresentar contrarrazões (se assim se julgar-se
conveniente em termos de melhor eficácia de atuação da Instituição), fazer
sustentações orais, apresentar memoriais aos Desembargadores nos casos
complexos, exercer a função reservada à atribuição originária nos casos de foro
por prerrogativa de função investigando em procedimento próprio, oferecendo
denúncias e acompanhando as ações penais originárias respectivas, atuar no
setor de recursos criminais especiais e extraordinários, manifestar-se nos habeas corpus e mandados de segurança
criminais, enfim, tudo menos dublar a atuação do Ministério Público nos
recursos, agindo como mero parecerista.
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[1] Vide, por todos, o
excelente artigo de BERCLAZ, Márcio Soares. O Ministério Público em Segundo
Grau Diante do Enigma da Esfinge (e a Constituição da República): Decifra-me ou
Devoro-te! In: Ministério Público:
reflexões sobre princípios e funções institucionais. São Paulo: Atlas,
2010, pp. 241-285.
[2] A exemplo da constatação
de RIBEIRO, Diaulas Costa. Ministério
Público: dimensão constitucional e repercussão no processo penal. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 107: "No Brasil,
a atuação do Ministério Público no processo penal não mudou de forma
significativa desde a Casa da Suplicação de Lisboa. O Ministério Público ainda
é um consultor, um assessor qualificado dos tribunais de segunda instância,
mantendo o conceito primário de procurador da Justiça."
[3] BUENO, José Antonio
Pimenta. Apontamentos Sobre o Processo
Criminal Brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Empreza Nacional do Diário,
1857, p. 51.
[4]
BUENO, José Antonio Pimenta. Ob. e p. cit.
[5]
BUENO, José Antonio Pimenta. Direito
Publico Brazileiro e Analyse da Constituição do Imperio. Segunda Parte, Rio
de Janeiro: Typographia Imp. e Const. de J. Villeneuve E C., 1857, pp.383-384.
[6]
Texto integral na internet: www2.camara.leg.br, acesso em 27.11.2012.
[7]
BUENO, José Antonio Pimenta.
Apontamentos Sobre o Processo Criminal Brasileiro, p. 52.
[8] BRASIL. Decreto de 09 de
novembro de 1830. Collecção das Leis do
Brazil (1808), disponível em www.archive.org, acesso em 23.11.2012.
[9] Por exemplo: GARCIA,
Emerson. Ministério Público: organização,
atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 29: "O Aviso de 16 de janeiro de 1838 dispunha
que os Promotores eram fiscais da lei e, os Curadores, verdadeiros advogados";
RODRIGUES, João Gaspar. Institucionalização
do Ministério Público, www.jus.com.br, acesso em 29 de novembro de 2012: "Mas
o Aviso de 16 de janeiro de 1838, foi, por
assim dizer, o verdadeiro ato precursor, no Brasil, da finalidade máxima e
característica da instituição, considerando os Promotores como "fiscais da lei".".CAMINHA,
Marco Aurélio Lustosa. O Ministério
Público, "ombudsman", defensor do povo ou função estatal equivalente, como
instituição vocacionada para a defesa dos direitos humanos. www.jus.com.br,
acesso em 29 de novembro de 2012: Depois, através doAviso de16 dejaneiro de1838,
os Promotores passaram a ser considerados como "fiscais da lei". Este
último foi, por assim dizer, o ato precursor, no Brasil, da finalidade máxima e
característica do Ministério Público." ARAÙJO, Gladston Fernandes de. Ministério Público: reconhecimento e reflexão.
www.gladstonfernandes.com, acesso em 29 de novembro de 2012: "Já o Aviso de 16 de janeiro de 1838
conferiu aos Promotores a missão de fiscalizar o cumprimento da lei."
[10] COLLECÇÃO DAS DECISÕES DO
GOVERNO DO BRASIL, Tomo 1º, Caderno 1º, 1838, pp.16 e 17. In: Collecção das
Leis do Imperio do Brasil de 1838. Tomo I. Parte I., Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1838. Livro digitalizado. Disponível em
www.books.google.com.br. Acesso em 29 de novembro de 2012.
[11] BRASIL. Decreto nº 1.723 de 16 de Fevereiro de 1856.
Disponível em www.Linker.lexml.gob.br, acesso em 29 de novembro de 2012."DECRETO Nº 1.723 - de 16 de Fevereiro de 1856
Hei por bem Decretar o seguinte:
Aos Desembargadores Promotores de Justiça nos Tribunaes da Relação se
dará dora em diante vista de todas as appellações crimes, para arrazoarem e
requererem o que for, em segunda Instancia, a bem da Justiça; sendo-lhes
igualmente apresentadas as decisões dos mesmos Tribunaes para interporem
revista nos casos em que ella couber.
José Thomaz Nabuco de Araujo, do Meu Conselho, Ministro e Secretario
de Estado dos Negocios da Justiça, assim o tenha entendido e faça executar.
Palacio do Rio de Janeiro em dezeseis de Fevereiro de mil oitocentos cincoenta
e seis, trigesimo quinto da Independencia e do Imperio.
Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.
José Thomaz Nabuco de Araujo.
[12]
BUENO, José Antonio Pimenta. Apontamentos
Sobre o Processo Criminal Brasileiro, p. 54.
[13] BRASIL. Decreto de 03 de Janeiro de 1833.
Disponível em www6.senado.gov.br, acesso em 27 de novembro de 2012. Dele se
destaca, verbis:Art. 25. Interposta a appellação da sentença dada em consequencia da
decisão do Jury, pelo modo, e no tempo declarado no art. 310 do Codigo, o Escrivão da causa ex-officio dará
vista ás partes para arrazoarem por escripto no termo de quinze dias, o
qual será concedido por inteiro, e improrogavelmente a cada uma dellas, ou
sejam singulares, ou collectivas.
Art. 26. Findo o
prazo, o Escrivão cobrará os autos, e
com as razões, ou sem ellas, se as partes as não derem em tempo, fará remessa
ao Secretario da Relação. Se
o appellante declarar que pretende arrazoar no lugar, em que estiver collocada
a Relação, o Escrivão, fazendo disso expressa declaração no termo da
appellação, fará logo remessa dos autos ao Secretario sem dar vista ás partes.
(...)
Art. 28. Recebidos os autos pelo Secretario, este
os apresentará na primeira conferencia, e pelo Presidente será concedido ás
partes prazo para arrazoarem, no caso de ter o appellante feito a declaração,
de que trata o art. 26. Este prazo será concedido na fórma do art. 25.
Art. 29.
Apresentados os autos em conferencia, com
as razões, ou sem ellas, no caso que as partes as não apresentem em tempo,
o Presidente os distribuirá ao Desembargador, a quem tocar, o qual,
examinando-as com as allegações das partes, e pondo no processo uma simples
declaração de o ter visto, o levará á mesa; e ahi, depois de ter exposto a
especie, de que se trata, e os pontos de direito, em que as partes se fundam, o
passará ao Desembargador, que immediatamente se lhe seguir, o qual procederá da
mesma fôrma, e assim por diante até o numero de tres.
Art. 30. Quando o
terceiro tiver visto o processo, o apresentará em mesa no dia, que o Presidente
designar; e debatida a questão por
todos os Desembargadores presentes (com tanto que não excedam ao numero de
effectivos, que deve ter a Relação)decidir-se-ha á pluralidade de
votos; e, conforme o vencimento, se lançará a sentença escripta pelo Juiz do
feito, e por todos assignada.
(...)
Art. 87. As
assignaturas dos Desembargadores, quaesquer outros emolumentos legaes, que lhes
possam tocar, serão recolhidos a uma caixa, e divididos no fim de cada mez por todos os Desembargadores, que
tiverem feito serviço na Relação, inclusive o Presidente, e o Procurador da
Corôa. (grifo nosso)
[14] Conforme PIERANGELLI,
José Henrique. Processo Penal: evolução
histórica e fontes legislativas. Bauru: Jalovi, 1983, p. 192. Texto
integral do Decreto 5618, de 02 de maio de 1874 na internet: www.camara.gov.br,
do qual se extrai o Capítulo II:
"CAPITULO II
DO PROCURADOR DA CORÔA, SOBERANIA E FAZENDA NACIONAL
Art. 17. O Procurador da Corôa, Soberania e Fazenda Nacional será livremente
nomeado pelo Governo dentre os Desembargadores da respectiva Relação.
Art. 18. O Procurador da Corôa é o orgão do ministerio publico perante a
Relação.
Art. 19. Ao Procurador da Corôa compete:
§ 1º Officiar na Relação:
1º Nas appellações criminaes de qualquer natureza, a fim de
allegar e requerer por parte da
Justiça;
(...)
6º Nas questões de liberdade das
pessoas, tutellas, e remoções de tutores e curadores.
§ 2º Promover o andamento dos processos criminaes, e a execução das
respectivas sentenças.
§ 3º Dar instrucções aos agentes
do ministerio publico sobre objecto do serviço de sua competencia.
§ 4º Suggerir ao Governo e aos
Presidentes das Provincias o que julgar a bem do interesse da Justiça, Fazenda
e Soberania Nacional.
§ 5º Intentar, quando lhe
competir a denuncia, a accusação dos culpados por erros de officio, ou crimes
communs.
§ 6º Exercer todas as mais
attribuições que lhe são incumbidas pelas leis e regulamentos em vigor.
Art. 20. Nos processos criminaes, que tiverem de ser julgados pelo Supremo
Tribunal de Justiça, officiará sempre o Procurador da Corôa da Relação da
Côrte, ainda que o crime fosse commettido fóra do districto da mesma Relação.
Art. 21. Nos feitos em que não tiverem de intervir como orgãos do
ministerio publico, os Procuradores da Corôa das Relações das Provincias
julgarão como os outros Desembargadores.
Art. 22. Os Procuradores da Corôa
servirão de procuradores fiscaes perante os Tribunaes do Commercio.
Art. 23. Quando forem impedidos em algum feito
serão nelle substituidos pelo Desembargador que o Presidente da Relação
designar. Em outras faltas ou impedimentos, o Governo na Côrte e os Presidentes
nas Provincias designarão o Desembargador que o deva substituir.
[15] BRASIL. Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890.
Disponível em www6.senado.gov.br, acesso em 29 de novembro de 2012.
[16] Art. 21. O membro do
Supremo Tribunal Federal, que for nomeado procurador geral da Republica,
deixará, de tomar parte nos julgamentos e decisões, e, uma vez nomeado,
conservar-se-ha vitaliciamente nesse cargo.
[17] Art. 22, "b": funccionar como
representante da União, e em geral officiar e dizer de direito em todos os
feitos submettidos á jurisdicção do Supremo Tribunal.
[18] Art. 23. Em cada secção de justiça federal haverá um procurador da Republica,
nomeado pelo Presidente da Republica, por quatro annos, durante os
quaes não poderá ser removido, salvo si o requerer.
Art. 24. Compete ao procurador da Republica na secção:
a) promover e exercitar a
acção publica, funccionar e dizer de direito em todos os processos criminaes e
causas que recaiam sob a jurisdicção da justiça federal;
b) solicitar instrucções e conselhos do procurador geral da Republica,
nos casos duvidosos;
c) cumprir as ordens do Governo da Republica relativas ao exercicio das
suas funcções, denunciar os delictos ou infracções da lei federal, em geral promover
o bem dos direitos e interesses da união;
d) promover a accusação e officiar nos processos criminaes sujeitos á
jurisdicção federal até ao seu julgamento final, quer perante os juizes
singulares, quer perante o Jury.
Art. 25. Os
procuradores seccionaes serão julgados nos crimes de responsabilidade pelos
juizes das respectivas secções, com recurso para o Supremo Tribunal, no caso de
condemnação.
Art. 26. Nas faltas
ou impedimentos temporarios dos procuradores seccionaes, o procurador geral da
Republica nomeará quem os substitua.
[19] BRASIL. Decreto nº 1030, de 14 de novembro de 1890.
Disponível em www2.camara.leg.br, acesso em 03 de dezembro de 2012:
Art. 164. O ministerio
publico é perante as justiças constituidas o advogado da lei, o fiscal de sua
execução, o procurador dos interesses geraes do Districto Federal e o promotor
da acção publica contra todas as violações do direito.
Art. 165. São creados os seguintes logares:
1 procurador geral do districto, junto á Côrte de Appellação;
1 sub-procurador, junto ao Tribunal civil e criminal;
3 curadores, um de orphãos, um de ausentes, um de residuos junto á
camara civil;
1 curador das massas fallidas, junto á camara commercial;
3 promotores publicos, junto ao Jury e camara criminal;
1 adjunto do 1º promotor perante as Pretorias 1 a 4;
1 adjunto do 2º promotor perante as Pretorias 5 a 8;
1 adjunto do 3º promotor perante as Pretorias 9 a 12;
1 adjunto, sob a immediata inspecção do 3º promotor, perante as
Pretorias 13 a 15;
3 adjuntos, cada um perante duas das Pretorias suburbanas, 16 a 21, na
ordem de sua numeração e sob a immediata inspecção do 1º promotor o das
maritimas, do 2º o das situadas no continente.
[20] BRASIL. Decreto nº 2579, de 16 de agosto de 1897.
Disponível em www2.camara.leg.br, acesso em 03 de dezembro de 2012.
[21] Art. 47. Ao sub-procurador, especialmente,
incumbe:
(...)
§ 2º Como representante do
ministerio publico perante o Tribunal Civil e Criminal:
I perante o conselho:
a) dar parecer sobre todos os
recursos crimes e em todos os outros processos em que o ministerio publico deve
ser ouvido;
(...)
III perante as camaras reunidas - dar
parecer sobre os embargos de nullidade e acções rescisorias, no caso de
violação de lei expressa;
IV perante cada uma das
camaras - representar o ministerio publico, quando entender que a gravidade do
assumpto o exige, ou lho for ordenado pelo procurador geral;
(...)
[22] BRASIL. Decreto 9623, de 28 de dezembro de 1911.
Disponível em www2.camara.leg.br, acesso em 04 de dezembro de 2012. Art. 316. No acto do julgamento, em seguida
ao relatorio, será permittida ás
partes que o requererem, por
si ou seus advogados, e ao
representante do Ministerio Publico, a discussão oral de suas conclusões, em prazo que não excederá de um
quarto de hora para cada um.
Art. 317. Findos os debates,
abrir-se-ha a discussão entre os desembargadores, começando pela questão
prejudicial ou preliminar que fôr suscitada. (grifos nossos).
[23] BRASIL. Decreto nº 16.273, de 20 de dezembro de
1923. Disponível em www.arisp.files.wordpress.com, acesso em 04 de dezembro
de 2012.
[24]
Conforme PIERANGELLI, Ob. cit., pp. 161 e ss.
[25] LEIS, DECRETOS E REGULAMENTOS DO ESTADO DO PARANÁ: 1895-1896,
Curityba: Typ. Da Penitenciária do Ahú, 1896, pp. 194 a 236.
[26] LEIS, DECRETOS E REGULAMENTOS DO ESTADO DO PARANÁ: 1897-1898,
Curityba: Typ. Da Penitenciária do Ahú, 1898, pp. 83 a 85.
[27] PINTO, Rui Cavallin. O assento do procurador-geral no tribunal.
Disponível em www.memorial.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=104>,
acesso em 03 de dezembro de 2012.
[28]
LEIS DE 1920. Estado do Paraná.
Coritiba: Typ. d "A Republica", 1921, pp. 195 a 307.
[29]
Conforme PIERANGELLI, Ob. cit., p. 162.
[30] RELATÓRIO DA PROCURADORIA
GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Pareceres.
Ano de 1928. Curitiba, pp. 47-48.
[31]
POLETTI, Ronaldo. Constituições
Brasileiras: 1934, Vol. III. Brasília: Senado Federal, 1999, p. 151.
[32] RELATÓRIO DA PROCURADORIA
GERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Pareceres.
Ano de 1938. Curitiba, p. 51 verso.
[33] RELATÓRIO DA PROCURADORIA
GERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Pareceres.
Ano de 1943. Curitiba, pp. 85 e 86.
[34] Conforme se vê, por
exemplo, dos inúmeros pronunciamentos do Procurador Geral do Estado do Paraná,
no RELATÓRIO DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Pareceres. Ano de 1948. Curitiba.
[35] Conforme se vê, por
exemplo, dos inúmeros pronunciamentos do Procurador Geral do Estado do Paraná,
no RELATÓRIO DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Pareceres. Ano de 1953. Curitiba.
[36] RELATÓRIO DA PROCURADORIA
GERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Pareceres.
Ano de 1962. Curitiba.
[37] Conforme se vê, por
exemplo, dos inúmeros pronunciamentos do Procurador Geral do Estado do Paraná,
no RELATÓRIO DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Pareceres. Ano de 1943. Curitiba.
[38] Conforme se vê, por
exemplo, dos inúmeros pronunciamentos do Procurador Geral do Estado do Paraná,
no RELATÓRIO DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Pareceres. Ano de 1948. Curitiba.
[39] A exemplo do então 1º
Sub-procurador Geral do Estado, Ary Florencio Guimarães; do então 2º
Sub-procurador Geral do Estado, Octacilio Vieira Arcoverde; do então 3º do
Sub-procurador Geral do Estado, Moysés de Oliveira, do então 4º Sub-Procurador
Geral do Estado, Guilherme de Albuquerque Maranhão. Conforme se vê do RELATÓRIO
DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Pareceres.
Ano de 1953. Curitiba.
[40] RELATÓRIO DA PROCURADORIA
GERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Pareceres.
Ano de 1962. Curitiba, p. 3.
[41] PARANÁ. Lei Estadual nº 5849, de 25 de setembro de
1968. Disponível em www.legislacao.pr.gov.br, acesso em 05 de dezembro de
2012.
[42] RELATÓRIO DA PROCURADORIA GERAL DA JUSTIÇA DO
PARANÁ. Inquéritos Policiais.
Curitiba, 1969, pp. 157 a 159.
[43] BRASIL. Lei Complementar nº 40/1981. Disponível
em www.planalto.gov.br, acesso em 05 de dezembro de 2012.
[44] MAZZILI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de
1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 134.
[45] GOLDSCHMIDT, Werner. La imparcialidad como Principio
Básico del Proceso, inRevista
de Derecho Procesal, nº 2, 1950.
[46] RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica.
Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003, página 65.
[47] NO S.T.J. a
jurisprudência é oscilante. Vide, por ex.: RHC nº 4.457/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, D.J. 24/06/1996; HC
nº 18.166/SP, 5ª Turma, Rel. Min.
Hamilton Carvalhido, julgado em
19/02/2002; HC nº 38.230/SP, 5ª Turma,
Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 02/12/2004, D.J.
01/02-2005.