Por Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, membro do Ministério Público de Contas no Distrito Federal
As muitas formas de atuação do controle externo e a aplicação do
princípio da precaução
Cláudia Fernanda de Oliveira
Pereira[1]
Sumário: 1. O controle externo: que se pode esperar de suas decisões? 2.
Um caso paradigmático decidido pelo TCDF: a assistência devida ao paciente
portador da fenilcetonúria 3. Os princípios da prevenção e da precaução:
conceito e marco legal. 4. Responsabilização derivada da aplicação do princípio
da precaução. 5. Considerações finais.
1. O controle externo: que se pode esperar de suas decisões?
O
controle externo, como sabemos, é realizado pelo Poder Legislativo, com o
auxílio dos Tribunais de Contas[2].
Consiste, assim, na fiscalização contábil, financeira, orçamentária e
patrimonial do ente da federação e das entidades da administração direta e
indireta. Além disso, devem prestar contas qualquer pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre
dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais os entes federados respondam,
ou que, em nome destes, assuma obrigações de natureza pecuniária.
A competência
do controle externo pode, ainda, ser vista no artigo 71 da Constituição Federal, sendo exemplo o julgamento de
contas, a realização de inspeções e auditorias, dentre outros.
Com
competências assim tão relevantes, fato é que, há tempos, a sociedade vem
reivindicando dos Tribunais de Contas um controle não só formal, mas material. É
natural que o desejo do contribuinte seja, pois, realizado. Afinal "de contas",
é o cidadão que com os seus tributos suporta a estrutura das Cortes de Contas,
sendo mais que compreensível, também, que cobre do controle externo resultados
no mínimo à altura dos valores que lhes são dispensados. Certamente, não faria
sentido manter-se uma tal estrutura sem que os resultados esperados não fossem
ótimos.
Nesse
contexto, a Constituição Federal (CF), além do princípio da legalidade, requer
eficiência, moralidade, impessoalidade, publicidade (artigo 37), legitimidade e
economicidade (artigo 70). Em relação ao DF, a Lei Orgânica do DF, autêntica
Constituição local, vai além e literalmente alude aos princípios da
razoabilidade, motivação e interesse público (artigo 19). Tais dispositivos são
mais do que suficientes para os fins a que se destinam.
Em
sendo assim, as Cortes de Contas devem atuar em obediência aos mandamentos
constitucionais antes referidos, pronunciando-se sobre todos os aspectos que
são postos a julgamento, não apenas formais, mas, substanciais. E quando o
controle externo assim age, o cidadão e o Estado só têm a ganhar. Muitas
demandas podem deixar de ser ajuizadas, evitando o já claro e inquestionável congestionamento
do Poder Judiciário. E, desse modo, cada vez mais, os processos que tramitam
pelo controle externo tendem a se aperfeiçoar, enriquecendo-se com a chegada de
novos atores que confluem para a tomada de suas decisões, tais como os
Sindicatos (art. 8º, III da CF), cidadãos organizados e muitos outros.
2. Um caso paradigmático decidido pelo TCDF: a assistência devida ao
paciente portador da fenilcetonúria
Situação
como a descrita, anteriormente, ocorreu recentemente no Tribunal de contas do
DF (TCDF). O Ministério Público de Contas do DF (MPC/DF) foi procurado pela
Associação que representa e defende os interesses de pacientes portadores de
doença grave e rara: a fenilcetonúria.
Trata
a doença de um erro inato do metabolismo, de herança autossômica recessiva,
cujo defeito metabólico leva ao acúmulo de fenilalanina (FAL) no sangue e
aumento da excreção urinária de ácido Fenilpirúvico e fenilalanina. É uma
doença hereditária, de herança autossômica recessiva, gerada pela ausência ou
diminuição da atividade de uma enzima específica do fígado, impedindo a
metabolização do aminoácido fenilalanina que está presente em nossa alimentação.
Desta forma, os níveis do aminoácido no sangue são altos, gerando por sua vez,
metabólitos nocivos ao desenvolvimento do cérebro do portador. Este fator acarreta deficiência mental
irreversível.
Desse
modo, a fenilcetonúria clássica, como doença metabólica que é, de origem
genética, atinge um em cada 25 mil recém-nascidos no Brasil e, se não for
tratada desde as primeiras semanas de vida, provoca deficiência mental
progressiva, deterioração neurológica e comportamento similar ao
autismo.
O
tratamento consiste em dieta pobre em alimentos que contenham fenilalanina. Da
dieta são retirados todos os
alimentos ricos em proteínas, dado que todas as proteínas contêm fenilalanina.
Tendo em vista, porém que a proteína é essencial para o funcionamento correto
do organismo humano, principalmente na fase da lactência e na primeira
infância, mas, que por outro lado é altamente perigosa para o portador desse
erro metabólico, necessário se faz a
substituição dos alimentos protéicos removidos da dieta desses pacientes, por uma
fórmula nutricional, vale dizer, um composto de aminoácidos isento de
fenilalanina. Ressalta-se que a dieta deve ser continuada durante toda a
vida, de forma a manter os níveis plasmáticos de fenilalanina dentro do
intervalo 2-4 mg/dl, especialmente durante
a fase do aleitamento e início da infância.
De
conseguinte, postulavam os pacientes, portadores da doença, a dispensação de
uma fórmula, misto de alimento e fármaco, sem a qual, além de não poderem
alimentar-se, sofreriam incalculáveis prejuízos e, quem sabe, seqüelas irreversíveis
de âmbito neurológico. Conquanto referida fórmula seja tratada como um
complemento alimentar, repita-se, trata-se na verdade de uma medicação sob a
forma de alimento, já que representa até 75% da fonte protéica diária dos pacientes,
além de ser o único insumo terapêutico utilizado no trato dessa doença
genética, com a finalidade de promover o crescimento e desenvolvimento
adequados do corpo, bem como a preservação do cérebro desses portadores do erro
inato.
Na hipótese
desses pacientes, se não receberem a fórmula, de modo contínuo (todos os
dias da vida), e na quantidade adequada, ocorre o fenômeno denominado
catabolismo protéico (a busca de proteína do organismo no próprio organismo do
paciente), com elevação secundária da Fenilalanina e conseqüente lesão
neurológica.
Ressalta-se
por oportuno, que os estudos mais recentes acerca da doença indicam que três
semanas de descontrole dos níveis de fenilalanina no sangue do portador da
doença genética já são suficientes para ocasionar um déficit no seu QI
(quociente intelectual) - (Official
Journal of the american academy of pediatrics - Challenges and Pitfalls in the
management of Phenylketonuria - Pediatrics Vol. 126, pp. 333-341. 02 de agosto
de 2010).
A problemática
envolvia, ademais, a aquisição específica de um e não de outro produto, porque,
neste caso, havia suspeita de que o novo produto, que se queria comprar, era inapropriado
para o consumo.
Após
investigação criteriosa acerca da procedência, ainda que preliminar, dos fatos,
o MPC/DF ofertou a Representação 11/11-CF ao TCDF (Processo nº 16545/2011) para
requerer, em medida cautelar, que o Governo não desse continuidade à compra
anunciada, até que houvesse comprovação científica de que a fórmula que se quer
adquirir é segura para a saúde dos pacientes. Enquanto isso, o Poder Público
deveria dispensar o produto já conhecido, normalizando o abastecimento,
imediatamente.
E, assim foi
feito. No dia 02/06/2011, o TCDF, em voto magistral da lavra do Conselheiro
Renato Rainha, seguido pelos Conselheiros Costa Couto, Inácio Magalhães Filho e
Paiva Martins, deferiu os pedidos ministeriais; admitiu a inclusão no feito da
organização representativa dos pacientes e mandou ouvir a Secretaria de Saúde
do Distrito Federal sobre os fatos.
Consagrou-se,
assim, pela primeira vez, a adoção pelo TCDF dos princípios da precaução e da
prevenção, para fundamentar os seus julgados, sendo possível dizer que se
seguiu a melhor jurisprudência mundial, pois, normalmente, nesses campos, os
Tribunais proferem decisões negativas, até que os estudos e informes a respeito
sejam concluídos. Ou seja, "Los Tribunales no entran en definitiva en el
espacio de la ciencia pero sí exigen que en ese espacio se hayan apurado las
vías y procedimientos para llegar al más precioso conocimiento"[3].
Ademais, é
preciso considerar que a decisão tomada levou em conta todos os pressupostos
necessários para a aplicação do princípio da precaução, sobre os quais podemos
trazer à colação, desde já: situação de incerteza acerca do risco; avaliação
científica do risco; perspectiva de um dano grave e irreversível;
proporcionalidade[4]
da medida adotada, diante do mal maior: o risco de dano e inversão da carga
probatória[5].
3. Os princípios da prevenção e da precaução: conceito e marco legal.
Como
se intui do próprio nome, o princípio da prevenção se embasa no conhecimento
antecipado do dano, de modo a exigir a adoção de medidas para evitá-lo. Ou
seja, na prevenção, a periculosidade da coisa ou atividade já é bem conhecida,
como no caso do consumo do tabaco, por exemplo. A precaução, contudo, em
reforço ao primeiro, supõe um desconhecimento a priori do dano, dado ser impossível identificar os efeitos a
médio ou longo prazo, com antecedência. Nesse caso, portanto, a relação causal
entre uma dada tecnologia e um dano temido ainda não foi cientificamente
provada de modo pleno, havendo, apenas, uma suspeita fundada de que possa
existir [6].
Consta, na
literatura mundial, que o princípio da precaução (Vorsorgeprinzip) surgiu na Alemanha, na década de setenta,
relacionado com o meio ambiente, e logo após se expandiu pelo mundo e por
outras áreas, inclusive na saúde. Desse modo, exprime a idéia de que é
necessária uma atuação de cautela, apesar da incerteza, ou justamente em
virtude dela.
Atualmente,
trata-se de princípio que possui reconhecimento explícito em nível
internacional, em vários documentos, como as Segunda e Terceira Conferências
Internacionais sobre o Mar do Norte; a Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992[7],
e Convenções sobre a Diversidade Biológica e de Câmbio Climático; Protocolo de
Cartagena sobre Biossegurança[8];
Tratado de Maastricht, revisado pelo de Amsterdan e Tratado de Niza. Ademais,
possui previsão expressa no Tratado da Comunidade Européia[9],
segundo o qual as políticas européias relacionadas com o meio ambiente devem
estar embasadas no princípio da precaução e da prevenção.
Andorno relata
que citado princípio adquiriu, assim, no direito comunitário europeu, um valor
de verdadeira regra de direito de aplicação direta. Fora do âmbito europeu,
todavia, a jurisprudência é reticente em admitir esse princípio como valor
geral, para além do direito ambiental.[10]
Seja como for,
"(.)
y a pesar de las diferencias que todavía subsisten en cuanto a las condiciones
de su aplicación, el principio de precaución puede considerarse desde ya como
un nuevo principio emergente de derecho internacional. Habiendo sido ya
afirmado en términos generales, necesita ahora ser concretado a través de
regulaciones específicas cerca de las condiciones para su aplicación, no sólo a
nivel internacional, sino también regional y local. (.) El desafío de los
próximos años consistirá en encuadrar este principio a nivel local y regional,
en armonizar a través de negociaciones internacionales las pautas para su
aplicación, en crear nuevas estructuras participativas en la toma de
decisiones, y en cumplir con las condiciones fijadas para su puesta en
práctica. Si esto se logra, contaremos con un principio precautorio que no se
limita a ser una mera expresión de buenos deseos, sino que contribuye
eficazmente a mejorar la calidad de vida de la generación presente y de las
generaciones futuras"[11].
No Brasil, as
medidas preventivas, em matéria de saúde, possuem assento constitucional
expresso no artigo 198, II, sendo certo que o princípio da precaução
encontra-se disposto no artigo 1o, da Lei brasileira de Biossegurança, Lei no,
11105/05, que, na parte final de seucaput,determina-se a "observância
do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente".
Com efeito, o
princípio da precaução requer uma atuação que consiste em não esperar a prova
absoluta de uma relação de causa e efeito, quando elementos, ainda que não
suficientemente exaustivos, levem a pensar que aquela situação que se examina
possa ter conseqüências danosas para a saúde ou para o meio ambiente.
Nesse sentido,
o princípio da precaução não se aplica a qualquer situação de risco, senão
àquelas em que os danos considerados sejam graves e irreversíveis, em um
contexto de incerteza científica.
Por outra
parte, parece claro que, ao aplicar-se tal princípio, não haverá um
posicionamento contrário ao progresso ou à ciência, isso é, o princípio da
precaução não se opõe ao progresso. Ao contrário, o que se requer é uma mudança
de idéia, privilegiando o desenvolvimento sustentável, que beneficie a
humanidade em seu conjunto, seja no presente, seja no futuro. Desse modo, há
uma grande iteração entre o princípio da precaução e a própria ética da tecnologia,
"que nos remite hoy a la cuestión de la
responsabilidad.A lo cual yo añadiría: y también a la cuestión del
cuidado y de la justicia[12]".
4. Responsabilização derivada da aplicação do princípio da precaução.
Com
efeito, a primeira hipótese que surge à mente, quando se fala de
responsabilização inerente à ofensa do princípio da precaução, é a
responsabilidade civil, consistente na possibilidade de ressarcimento pelos
danos causados em decorrência da violação do dever de cautela, corolário natural
da máxima conhecida de quem quer que cause dano a outro terá o dever de
repará-lo. Aparte a isso, em teoria, se a responsabilidade aqui abordada não
está vinculada a um contrato, será do tipo
extracontratual, seja na modalidade subjetiva, quando se está diante de
uma lesão causada em virtude de uma ação dolosa ou culposa, ou objetiva, quando
o que se exigirá apenas é a existência de nexo causal entre a ação e o dano
causado, salvo hipóteses de força maior[13].
Como é sabido,
no Brasil, adota-se a responsabilidade objetiva da Administração Pública[14],
37, parágrafo 6º[15]
e artigo 43 do Código Civil Brasileiro (CCB)[16],
o que quer dizer que vigora entre nós o entendimento de que é irrelevante,
nesse âmbito, a ilicitude da conduta, mas, sim, a existência de uma lesão que o
particular não tem a obrigação de suportar e que foi produzida por uma
atividade administrativa. Assim, a responsabilidade passa a ser um instrumento
de solidariedade social.
A efeito de
ilustração, não se esqueça dos casos envolvendo vítimas, inclusive a segunda
geração delas, que sofreram os efeitos nefastos do uso da Talidomida[17],
ocasião em que o Estado, por meio da Lei 12.190/10, passou a pagar-lhes danos
morais.
Outro ponto a
considerar, e que por razões óbvias não pode ser abordado neste trabalho,
refere-se à responsabilidade penal em razão da violação de dito princípio,
sendo certo que, no que toca ao tema estudado, pressupõe-se que não há como
determinar o risco com certeza suficiente, como vimos atrás, ou seja, há
efeitos potencialmente perigosos de um fenômeno, produto ou processo, mas não
existe a possibilidade de prever o risco[18].
5. Considerações Finais
Retornando ao
caso concreto ora analisado, confirmamos que a decisão proferida pelo TCDF foi
a mais correta. Afora o estudado dever de cautela, a prevenção, em matéria de
saúde, é prioritária, a teor do que determina a CF, o que também quer exprimir
a idéia de que as ações públicas em matéria sanitária visam garantir a saúde
não só dos cidadãos de hoje, mas da população de amanhã.
Com efeito, a
compra da fórmula metabólica, se efetuada, por meio de certame que se encontra
suspenso, poderia não apenas trazer graves lesões aos pacientes, como, ainda,
ao patrimônio público, que, nesse caso, estaria expondo-se, indevidamente e sem
justa causa, a ações de reparação de danos.
Dessa forma, a
decisão adotada guarda total conexão com o princípio
da economicidade[19],
sendo mais do que suficiente para justificar uma decisão proferida pelo
controle externo, de modo a atuar sobre uma situação de risco que poderia dar
ensejo à ocorrência reprovável de dano maior à saúde dos pacientes. Em última
análise, tal situação poderia gerar, também, a responsabilização estatal e dos
gestores públicos, acarretando o dever de ressarcir, o que equivale a um
prejuízo sem justa causa, a ser suportado pelo Estado, salvo hipóteses não
muito fiáveis de regresso.
[1]
É Procuradora do MPC/DF.
[2]
No caso da União, o controle externo é efetivado pelo Congresso Nacional, com o
auxílio do Tribunal de Contas da União. O mesmo parâmetro se aplica aos demais
entes da federação. Vide os artigos 31 e 75 da Constituição Federal.
[3]
ESTEVE PARDO, José. El principio de precaución: decidir en la
incerteza in ROMEO CASABONA (Ed), Carlos María. Principio de Precaución, Biotecnología y Derecho.
Bilbao-Granada: Editorial Colmares, 2004, p. 244.
[4]
A exigência de proporcionalidade confirma, de um lado, que a prioridade é a
saúde pública e a proteção do meio ambiente sobre o valor econômico, mas, por
outro lado, quer dizer que se deve preferir a adoção de uma opção razoável, de
menor custo econômico e social (ANDORNO, Roberto. Validez del principio de
precaución como instrumento jurídico para la prevención y la gestión de riesgo, in
ROMEO CASABONA (Ed), op. cit., p.30).
[5]
Apesar dos informes técnicos de que se acercou o MPC/DF, fato é que cumpre ao
gestor buscar junto ao produtor e àquele que comercializa a nova fórmula
metabólica as provas de que se ressente. Ou, por outras palavras, quem introduz
o produto ou desenvolve a atividade que potencialmente é considerada de risco é
quem deve aportar os elementos contrários à presunção do risco. "Esta
exigencia de un mayor compromiso del introductor del riesgo se explica no sólo
por una razón de justicia, ya que él es quien se beneficia económicamente con
el producto o actividad en cuestión, sino también por motivos prácticos, porque
normalmente serán los mismos fabricantes del producto quienes estén en mejores
condiciones técnicas para demostrar, hasta donde sea posible, su carácter
inocuo" (ANDORNO, op. cit., p. 32).
[6] "En
otras palabras, las medidas de prevención son las que se adoptan ante un riesgo
actual, mientras que las medidas de precaución suponen un riesgo potencial" (Ídem, p. 28).No entanto, não há
unanimidade doutrinária a respeito, já que há muitos autores que consideram
ambos os princípios sinônimos.
[7] PRINCÍPIO
15 - De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser
amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando
houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza
científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e
economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental (Princípio
15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de
1992).
[8] O objetivo do citado Protocolo é
contribuir para assegurar um nível adequado de proteção no campo da
transferência, da manipulação e do uso seguros dos organismos vivos modificados
resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na
conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os
riscos para a saúde humana, e enfocando especificamente os movimentos
transfronteiriços.Cf. Item 4, do anexo III (Avaliação de Risco), do
Decreto 5.705, de 16 de fevereiro de 2006, quepromulga o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança
da Convenção sobre Diversidade Biológica, incorporando-oao direito
pátrio: "A falta de conhecimentos científicos ou de consenso
científico não será necessariamente interpretada como indicativo de um nível
determinado de risco, uma ausência de risco ou de um risco aceitável".
[9]
Artigo 174 da versão consolidada.
[10]
Prova disso seria a decisão adotada pela Organização Mundial do Comércio (OMC),
que considerou procedentes demandas dos Estados Unidos e Canadá, os quais
defendiam a comercialização de carne bovina de animais tratados com hormônio
sintético. Enquanto a União Européia argumentava que, com base no princípio da
precaução, o ingresso desse produto não poderia ser permitido, diante da
suspeita de seus possíveis efeitos cancerígenos, a OMC se inclinou pela posição
oposta, entendendo que não há uniformidade de critérios para considerar o
princípio da precaução como uma regra de aplicação direta, em ausência de uma
normativa específica que assim o preveja. Ademais, se considerou que, no caso,
não haviam sido aportados suficientes provas científicas de dano para a saúde
humana. Peter Singer faz uma crítica contundente a essa e outras posturas da
OMC, afirmando que citada Organização coloca as considerações de ordem
econômica à frente de preocupações com outras questões, como sejam a proteção
ambiental (SINGER, Peter. Um só mundo: a
ética da globalização.Lisboa: Gradiva, 2004, p. 135).
[11]
ANDORNO, op. cit., pp. 25-26 e 33.
[12] CORTINA, Adela. Fundamentos Filosóficos del Principio de la Precaución in ROMEO CASABONA (Ed), op. cit., p.8.
[13] "La
distinción entre la fuerza mayor y el caso fortuito se ha realizado conforme a
diversos criterios. En ocasiones se afirma que la diferencia entre la fuerza
mayor y el caso fortuito radica en que la primera es imprevisible e inevitable,
mientras que el caso fortuito es previsible pero inevitable. Algunos autores
consideran que la diferencia se encuentra en la propia naturaleza del evento de
tal modo que el caso fortuito es el acontecimiento que por su propia naturaleza
no excede necesariamente de la diligencia dirigida evitarla (..), mientras que
la fuerza mayor es el acontecimiento,
que por su propia naturaleza excede a priori del concepto de diligencia hasta el punto de que basta enunciarlo para saber que ante él toda
diligencia hubiera sido irrelevante (.). Por último, la doctrina también
recuerdo al criterio de la exterioridad o interioridad del acaecimiento
respecto a la actuación del sujeto para distinguir la fuerza mayor y el caso
fortuito. (.) El caso fortuito se concibe como un suceso que se caracteriza por
las notas de indeterminación e interioridad, es decir, por desconocerse la
causa desencadenante del mismo y por tratarse de un evento que se produce
dentro del ámbito de actuación propio de la Administración (pj. avería de un
servicio público de origen conocido, imprevisible e inevitable). Por el
contrario, la fuerza mayor es una causa extraña, exterior al ámbito típico de
acción del sujeto y a sus riesgos propios (pj. guerra, tempestad, etc)."
(DESDENTADO BONETE y DESDENTADO DAROCA. El
reintegro de gastos por asistencia sanitaria externa en la seguridad social con
una indicación sobre la responsabilidad por los daños producidos en al
prestación de los servicios sanitarios, in
GUERRERO ZAPLANA, José (director). La
Responsabilidad Patrimonial de la Administración Sanitaria.Madrid:
Cuadernos de Derecho Judicial, 1-2002, pp. 458-459).
[14]
No Brasil, cite-se a situação dos pacientes que foram contaminados pelo vírus
da AIDS em virtude de transfusão de sangue. A alegação do Estado de que, à
época, não havia condições técnicas de fiscalizar o sangue em relação ao vírus,
até então desconhecido, não logrou ser considerada pelo STF, ao argumento de
que esse fato não é suficiente para afastar a responsabilidade objetiva do
Estado (RE 363.999). A título de curiosidade, na Espanha, a situação é diversa.
Por força do artigo 141 da Lei de Regime Jurídico das Administrações Públicas e
do Procedimento Administrativo Comum, após alteração levada a efeito em
13/1/99, "no serán indenizables los daños
que se deriven de hechos o circunstancias que no se hubiesen podido prever o evitar según el estado de los conocimientos de
la ciencia o de la técnica existentes en el momento de producción de aquéllos".
Alguns doutrinadores espanhóis afirmam que a norma nada mais fez que expor um
entendimento jurisprudencial existente. Com efeito, diversas sentenças
rechaçaram a responsabilidade da Administração, por exemplo, nos casos de
contágio de hepatitis C, quando esta era uma enfermidade desconhecida ou quando
ainda não se conheciam nem as vias de contágio, nem os meios de detecção e
prevenção, ao argumento de que a lesão ocorrida decorreu de um evento externo,
extraordinário, sendo a prevenção impossível. E, ainda que assim não fosse, ou
seja, ainda que se conhecesse a existência do vírus e vias de transmissão, se
não houvesse meios para evitar o contágio, segundo a jurisprudência espanhola,
haveria que se entender que se trataria de força maior porque "indudablemente no se le podia exigir [a la
sanidad pública] que suspendiera todas las transfusiones que en aquél momento
practicaba dentro de todo el Estado" (STS (4) de 22/12/97 (Ar.737). Nesse
caso, portanto, nega-se a indenização, ao argumento de que, a admitir-se o
contrário, as Administrações Públicas converter-se-iam em seguradoras
universais de todos os riscos sociais. Assim, então, se exige que o dano em
matéria sanitária seja conseqüência de um funcionamento anormal, o que decorre
da não aplicação da "Lex artis". Ao
revés, se tais danos decorrerem de uma atuação legítima, conforme a ciência e a
técnica, não podem considerar-se antijurídicos.
[15] Art. 37 (...) §
6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
[16]Art. 43. As pessoas jurídicas de direito
público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa
qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito
regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou
dolo. Cf, ainda, artigo, 927, parágrafo único do CCB.
[17] Foi
um fármaco muito utilizado na década de 60, para obviar os efeitos das náuseas
em gestantes.
[18] "Que
el Derecho Penal se entrometa en esas funciones limitativa (prohibiendo
conductas) y garantista (exigiendo medidas de prevención de riesgos) con el
solo presupuesto de que la grave peligrosidad para el medio ambiente o la salud
de las personas de las conductas a considerar no queda satisfactoriamente
descartada, esto es, sin que pueda afirmarse su (concreta) peligrosidad para
esos bienes jurídicos, lógicamente ha de disparar los recelos sobre su
expansión. En cierto modo hay que admitir que con ello el Derecho Penal, una
vez más, llegaría a lugares en principio reservados al Derecho Administrativo.
Pero antes incluso de abordar la cuestión de si el Derecho Penal debe irrumpir
en ese escenario hay que recordar que únicamente puede hacerlo mediante la
tipificación como delitos, dolosos o imprudentes, de esos comportamientos, que
sin ser (suficientemente) peligrosos, habrán de ser sancionados con penas. Y
esto obliga a revisar los contenidos de las categorías en las que se basa la
teoría jurídica del delito" (SOLA RECHE, Esteban. Principio de precaución y tipicidad pena inROMEO CASABONA, op.
cit., pp.485-486).
[19]
Veja-se a obra essencial de Bugarin, ao informar que o vocábulo economicidade se vincula, no domínio das ciências econômicas e
de gestão, à idéia fundamental de desempenho qualitativo. Trata-se da obtenção
do melhor resultado estratégico possível de uma determinada alocação de recursos
financeiros, econômicos e/ou patrimoniaisem um dado cenário
socioeconômico (BUGARIN, Paulo Soares. O Princípio Constitucional da Economicidade na Jurisprudência do
Tribunal de Contas da União. Belo Horizonte: Fórum, 2011).