Por Douglas Fischer, membro do MPF, Coordenador da Assessoria Criminal do Procurador-Geral da República, Professor de Direito Penal e Processual Penal e membro do GNMP.
Considerações iniciais.
Acerca de texto intitulado “Garantismo Penal Integral ou Defensivismo
Diet” [1],
da lavra do professor e amigo Elmir Duclerc, em que faz uma análise crítica a
respeito da nossa leitura (por sua vez
também crítica)que vem sendo feita acerca do garantismo penalem terras brasileiras, registramos em primeiro
lugar que qualquer contraposição de ideias, quando séria e bem feita (como no
caso), é extremamente válida.
Primeiro demonstra
que o (nosso) texto foi lido e, com isto, o primeiro objetivo foi atingido. Em
segundo lugar, diante das críticas, colocamos novamente (temos este hábito) em
cheque as premissas de todo o raciocínio, considerações e conclusões que
revelamos à comunidade jurídica desde os primeiros textos escritos e que
acabaram redundando, algum tempo depois, na obra “Garantismo Penal Integral – questões penais e processuais penais,
criminalidade moderna e a aplicação do modelo garantista no Brasil”[2].
Não foram poucas as vezes em que, convencidos de que não estavam melhorfundamentadas nossas propostas,
modificamos nossos posicionamentos a respeito de determinados assuntos. É assim
que há evolução das coisas. A dialética é a essência dos discursos e das
ideias.
No caso específico,
contudo, feita (novamente) a autocrítica, necessário afirmar que o “Garantismo Penal Integral ou Defensivismo
Diet” não compreendeu o que defendemos, e esta premissa advém sobretudo do
aspecto de que os autores concordam em vários tópicos. Assim, se fez uma
interpretação equivocada do que defendido no “garantismo integral” e se
criticou esta interpretação (não a nossa, portanto).
Tentaremos aqui, mesmo
que sinteticamente, mostrar o que sempre dissemos (e já nessa parte
concordamos): o garantismo penal de Ferrajoli
(em nossa leitura e, smj, de todos os demais autores da obra
retromencionada) sempre foi “integral”, no qual sempre propôs um direito “adequado” à ampla defesa. O que
não se faz integral (e aí o problema)
são algumas leiturase aplicaçõesque são feitas de seus
ensinamentos aqui no Brasil (daí a razão pela qual dizemos que, em determinadas
situações, aplica-se – e a deturpação não
é a nossa proposta, ela é a razão
da nossa crítica – um garantismo
monocular (apenas visualizando partes dos direitos envolvidos na discussão
objeto do processo penal) e hiperbólico (de maneira absolutamente
desproporcional).
Mais: o texto refere que
a tese do Emérito Professor Luigi Ferrajoli seria o únicoque deveria permear a interpretação do garantismono Brasil.
Vamos ao debate, uma vez
mais.
Das premissas. Chaïm Perelmam sempre nos alerta que os
equívocos do raciocínio jurídico não estão nas conclusões a quem chegamos, mas
nas premissas que elegemos. As diversidades de conclusões fazem parte (ainda
bem!) da dialética e, especialmente, das Ciências Jurídicas.
O texto referiu que: a) “a proposta do garantismo integral [...]
carrega consigo uma falácia, já
que a teoria do garantismo penal de Ferrajoli, e a própria noção de
"garantia" por ele utilizada supõem um equilíbrio[3]
entre o interesse publico em punir delitos e os direitos fundamentais dos
acusados”; b) a “proposta atenta contra a integridade da (única) teoria do
garantismo penal, tal como formulada por Ferrajoli, apropriando-se do que nela
se aproveita em termos de legitimação do poder punitivo, esvaziando,
entretanto, o seu potencial de proteção à liberdade do indivíduo, com o sério
risco de reduzir-se a uma novíssima versão da ideologia defensivista,
perigosamente disfarçada de garantismo penal”.
O garantismo integralde que
falamos é exatamente aquele defendido por Ferrajoli. Mas não o (como chamamos)monocular, este sim o
difundido repetidamente pelas terras brasileiras. Cremos, então, que as falsas
premissas foram eleitas pelas críticas do texto ora analisado. As
consequências, veremos ulteriormente.
Sobre falácias argumentativas (questões gerais). Várias vezes se disse
que nossas propostas acerca de leitura do garantismo penal incorreriam em
inúmeras falácias. Vamos reproduzir
nossa abordagem sobre o tema relativo a falácias
interpretativas.Para tanto, uma das melhores obras (não a única, é
verdade, somos avessos a unilateralismos)
a respeito do tema (e talvez olvidada de análise quando da crítica) é a obra de
Michael Dorf e Laurence Tribe “On reading
the Constitution”,capítulo “How not to read the Constitucion”,em
que destacam os autores que o intérprete não pode incidir em duas falácias
argumentativas fundamentais (two
interpretive fallacies): a dis-integration
e a hyperintegration. Incide-se
na falácia da dis-integrationquando
se analisa a Constituição como sendo um feixe desconectado de princípios,
valores e regras. A hyperintegrationse
verifica quando o intérprete tem uma visão limitada da amplitude do conjunto da
obra constitucional, restringindo-se a compreendê-la como uma rede, porém sem
qualquer costura, decorrente de nítida postura reducionista.
Deflui dessas
considerações, dissemos novamente nós, que uma interpretação constitucional
mais consentânea deve considerar todas as normas integradas entre si, não
isoladas nem dispersas (por isso falamos em “integral”, como defendido por
Ferrajoli), compreendendo-se que todos os comandos nela insertos
(unidade) estão costurados por fios seguros, e por isso suficientemente fortes
para sustentar as tensões dialéticas que naturalmente dela defluem
(pluralidade).
Verifica-se, portanto,
que, com outra roupagem, afloram novamente questões antes abordadas atinentes à
Constituição
Garantista: paralelamente à chamada Proibição de Excesso, um “garantismo negativo”, do texto
constitucional derivam obrigações (inclusive ao intérprete constitucional) de
que também as suas decisões não gerem uma desproteção dos bens jurídicos e
interesses gerais e sociais, caracterizando-se, noutro bordo, a situação da Proibição de Proteção Deficiente,
verdadeiro “garantismo positivo” [4].
A propósito, são
percucientes as observações de Bernal Pulido quando
destaca que "la cláusula del Estado
social de derecho modifica el contenido que los derechos fundamentales tenían
en el Estado liberal. […] De este modo, junto a la tradicional dimensión de
derechos de defensa, que impone al Estado el deber de no lesionar la esfera de
libertad constitucionalmente protegida, se
genera un nuevo tipo de vinculación, la vinculación positiva. En
esta segunda dimensión, los derechos
fundamentales imponen al Estado un conjunto de “deberes de protección”
[dizemos nós: de proteção ótima] que encarnan en conjunto el deber de
contribuir a la efectividad de tales derechos y de los valores que representan”
[5].
Esses deveres de proteçãonão estão e
não poderiam estar restritos apenas aos direitos
dos investigados/réus(de primeira geração), pois se estaría olvidando outrase (igualmente relevantes)
previsões de todo o arcabouço constitucional.
Com efeito, relembramos
aqui que o tema do garantismo positivo
e do garantismo negativo é realmente
pouco divulgado em âmbito brasileiro, mas não é novo no âmbito de decisões do
Supremo Tribunal Federal pátrio. Talvez um dos casos mais paradigmáticos[6] se deu no julgamento do Recurso
Extraordinário n.418.376-MS [7], em que o Ministro
Gilmar Mendes assentou, de modo
peculiar, que,
se acolhida a pretensão do réu (de extinção da punibilidade) “[...]estar-se-ia
a blindar, por meio de norma penal benéfica, situação fática indiscutivelmente
repugnada pela sociedade, caracterizando-se típica hipótese de proteção
deficiente por parte do Estado, num plano mais geral, e do Judiciário, num
plano mais específico. Quanto à proibição de proteção deficiente, a
doutrina vem apontando para uma espécie de garantismo positivo, ao contrário do
garantismo negativo (que se consubstancia na proteção contra os excessos do
Estado) já consagrado pelo princípio da proporcionalidade. A proibição de
proteção deficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais
de proteção, ou seja, na perspectiva do dever de proteção, que se consubstancia
naqueles casos em que o Estado não pode abrir mão da proteção do direito penal
para garantir a proteção de um direito fundamental. Nesse sentido, ensina o
Professor Lênio Streck:"Trata-se de entender, assim, que a
proporcionalidade possui uma dupla face: de proteção positiva e de proteção de
omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de
excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando
desproporcional o resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de
outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um
direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso
de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados
bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da proporcionalidade decorre
da necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição,
e que tem como consequência a sensível diminuição da discricionariedade
(liberdade de conformação) do legislador."(Streck, Lênio Luiz. A dupla
face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso
(Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de
como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista da
Ajuris, Ano XXXII, nº 97, marco/2005, p.180)No mesmo sentido, o Professor Ingo Sarlet:"A
noção de proporcionalidade não se esgota na categoria da proibição de excesso,
já que abrange, (...) um dever de proteção por parte do Estado, inclusive
quanto a agressões contra direitos fundamentais provenientes de terceiros,
de tal sorte que se está diante de dimensões que reclamam maior densificação,
notadamente no que diz com os desdobramentos da assim chamada proibição de
insuficiência no campo jurídico-penal e, por conseguinte, na esfera da política
criminal, onde encontramos um elenco significativo de exemplos a serem
explorados."(Sarlet, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o
direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e de
insuficiência. Revista da Ajuris, ano XXXII, nº 98, junho/2005, p. 107.) E continua o Professor Ingo Sarlet:"A
violação da proibição de insuficiência, portanto, encontra-se habitualmente
representada por uma omissão (ainda que parcial) do poder público, no que diz
com o cumprimento de um imperativo constitucional, no caso, um imperativo de
tutela ou dever de proteção, mas não se esgota nesta dimensão (o que bem
demonstra o exemplo da descriminalização de condutas já tipificadas pela
legislação penal e onde não se trata, propriamente, duma omissão no sentido
pelo menos habitual do termo)."(Sarlet, Ingo Wolfgang. Constituição e
proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição
de excesso e de insuficiência. Revista da Ajuris, ano XXXII, nº 98, junho/2005,
p. 132)“.
Posteriormente, noutra
magistral decisão, a Corte Suprema, por intermédio de sua 2ª Turma, no
julgamento do HC n. 102.087 (Relator Ministro Celso de Mello, julgado em
28.6.2012, publicado no DJ em 14.8.2012), ao analisar controle de
constitucionalidade de lei penal, assentou em tópico atinente aos “Mandatos Constitucionais de Criminalização”
que “a Constituição de 1988 contém
significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas
que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII,
XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas é possível identificar
um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores
envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas
proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado
de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais
expressam não apenas uma proibição do excesso (ubermassverbote), como também
podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de
tutela (untermasverbotte). Os mandados constitucionais de criminalização,
portanto, impõem ao legislador, para seu devido cumprimento, o dever de
observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como
proibição de proteção deficiente”.
Se há alguma dúvida
ainda sobre a extensão da (integralidade) do Princípio da Proporcionalidade,
relembre-se o que novamente disse o Ministro Gilmar Mendes (HC n. 106.163=RJ,
julgado em 6.3.2012, publicado no DJ em 14.9.2012) ao analisar os mandatos
constitucionais de criminalização: “
[...] Em verdade, tais disposições traduzem outra dimensão dos direitos fundamentais, decorrente da feição
objetiva na ordem constitucional. Tal concepção legitima a ideia de que o
Estado se obriga, não apenas a observar
os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa – Abwehrrecht) mas, também a garantir os direitos
fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht des Staats)”.
Igualmente
de modo exemplificativo, cumpre destacar que também o Superior Tribunal de
Justiça já alertou que não há olvidar que os direitos e garantias fundamentais, por possuírem característica
essencial, não podem servir de esteio para impunidade de condutas ilícitas,
razão pela qual "o devido processo legal, amparado pelos princípios da
ampla defesa e do contraditório, é corolário do Estado Democrático de Direito e
da dignidade da pessoa humana, pois permite o legítimo exercício da persecução
penal e eventualmente a imposição de uma justa pena em face do decreto
condenatório proferido. Dessa forma, compete aos operadores do direito, no
exercício das atribuições e/ou competência conferida, o dever de consagrar em
cada ato processual os princípios basilares que permitem a conclusão justa e
legítima de um processo, ainda que para condenar o réu", sem porém “perder de vista que, ao tempo que o sistema
jurídico deve promover a real efetivação dos direitos fundamentais individuais,
deve, sem embargos, preservar o direito
coletivo e social, equalizando, desse modo, a "balança da justiça"
(HabeasCorpus nº116.148
- BA, 5ª Turma, unânime, Relator
Ministro Jorge Mussi, julgado em 28.06.2011, publicado no DJ em 01.08.2011).
Sobre falácias argumentativas (questões específicas).
Reafirmadas as (nossas) premissas,verificamos, então, com todas
as vênias, que, se existem falácias
argumentativas, respeitosamente elas estão
(algumas) presentesna crítica que nos foi trazida tão brilhantemente, na
medida em que propugna que o garantismo serviria “apenas e exclusivamentepara proteger a liberdade do sujeito “contra o arbítrio punitivo do Estado”(primeiro
parágrafo da introduçãodo texto),
bem assim que quem (também de forma exclusiva)
precisaria de garantiasseria“ o indivíduo (o mais fraco), sendo que [...]qualquer outra interpretação implica
subversão radical dos fundamentos da teoria”.
Como anunciado, para nós
faláciasdecorem de leituras parciais
(desconexas e/ou hipervalorizadas, gerando desproporcionalidade) dos preceitos
constitucionais, dos quais nos alertam os autores acima nominados não devamos
incorrer.
A propósito, veja-se
entendimento do Superior Tribunal de Justiça
[8] que, nos
termos do que decidido pelo STF no HC n. 84.078-MG (em que se reconheceu, à luz
de uma releiturados preceitos
constitucionais, que a execução penal somente poderia se dar a partir do
trânsito em julgado da pretensão condenatória), vem insistindo numa leitura original e literaldo art. 112,
I, CP, no sentido de que a prescrição da pretensão executória flui a partir do
trânsito em julgado apenas para a
acusação. Sem compreender a ratiodas
coisas (e da historicidade dos dispositivos do Código Penal), reconhece-se que
há possibilidade de fluência do prazo prescricional da execução, mas sem título
executivo para tanto, quando se verificar a existência de recurso apenas
defensivo [9].
Prossigamos, então, mais
especificamente.
Quanto à primeira
(suposta) falácia (de nosso pensamento), diz-se na crítica que, num
diagnóstico, se poderia perceber (outra, a nossa) falácia fundamental,que consistiria na tese de “que o poder punitivo precisa também de
garantias”.
Ora, se alguémdisse isso, realmente precisa
haver a crítica. E fazemos coro, pois desconhecemos quem tenha dito tamanho
exagero. É que se lidos atentamente
todos os textos que escrevemos até hoje (e não um apenas, com alguns excertos),
fácil visualizar que nunca defendemos tal posição, nem implicitamente.Dissemos sim que, no
âmbito constitucional, existem outros
direitos que não apenas os dos investigados
(de primeira geração), que mereceriam proteção jurídica, especialmente os interesses coletivos. Tais premissas
coincidem com o que dito no texto sob exame, quando , analisando Ferrajoli,
pondera que a ‘noção
de "garantia" por ele utilizada supõe um equilíbrio entre o
interesse publico em punir delitos e os direitos fundamentais dos acusados”.É
exatamente o que propugnamos. O que não concordamos é que os olhos interpretativosestejam exclusivamentepara a proteção dos
direitos fundamentais individuaisdo
acusado ou investigado. Para tanto, remetemos eventuais interessados para o
texto que escrevemos defendendo haver uma aproximação
dos ideais do garantismo penale
do princípio da proporcionalidade(o equilíbriode que nos fala a crítica
acima, da qual nunca dissentimos, muito antes pelo contrário)[10]. Mais:quem lê sem lupaseventualmente escolhidas, tudo (e não
partes) que disse o mestre italiano até
hoje (recomendamos o o Principia Iuris,já
com algumas evoluções, e bem posterior ao Direito
e Razão) verificará que ele sempre defendeu que os seus ideais garantistas
nada mais são do que a visão atual do constitucionalismo[11]. Até onde conseguimos ler e estudar, o Direito
Constitucional não prevê exclusivamente(ainda
bem) direitos fundamentais individuais(de
primeira geração), que, reitere-se, merecem a integral e proporcional(mas não exclusiva) proteção (com a respectiva defesa adequada).
Diz-se, de outro lado,
que a proposta atentaria contra a integridade da “única” (sic) Teoria do Garantismo Penal, tal como formulada por
Ferrajoli. Venia concessa,falar em únicaTeoria (ou única interpretação) da Teoria do Garantismo Penal parece ser
contraditório com outra crítica mais adiante a nós dirigida e formulada no
mesmo texto, em que se disse que“não
nos parece exagero afirmar que o discurso "integral" se aproxima
mais das tendências autoritárias do que propriamente do garantismo penal
(puro e simples) de Ferrajoli”. Respeitosa e dialeticamente, cremos que posição
de natureza autoritária é aquela que diz que há apenas umaleitura possível a respeito de determinados temas. Nunca
propusemos isso, insistimos. Pelo contrário: sempre falamos que esta era uma(e não “a”) leituraque fazíamos. Certa ou errada (embora em determinados
campos da dogmática seja difícil esquadrinhar de modo sintético o que seria certoou errado), é uma posição proposta com a finalidade primordial de
fomentar outrasvisões, e não repetir
apenas o que algunspensam que deva
ser reproduzido e dito. Aliás, nesta linha, nunca é demais relembrar que Miguel
Carbonell nos revelou que “a teoria
garantista de Luigi Ferrajoli se apresenta como um paradigma inacabado,
como uma obra no meio do caminho, carente de complementação e devida
compreensão [12].
Defende-se no texto,
ainda, que“quem precisa de
garantias é o índivíduo (o mais fraco)” e que “qualquer outra interpretação implica subversão radical dos fundamentos
da teoria”.
Sobre
os dez axiomas citados e sobre os quais se fundamenta toda a teoria garantista, sempre os enaltecemos.A questão primordial é o modocomo são compreendidos, difundidos eo que eles significam. Nossa posição sempre foi hialina no sentido
da redução da incidência do Direito Penal (ultima
ratio,porém observada a lesividade
das condutas)e sua utilização
(sempre racional e proporcional) aos
crimes que efetivamente sejam mais graves (não olvidemos que, alhures,
Ferrajoli sempre deixou claro que o garantismo
deleé a antítese do abolicionismo).
Há sempre a se analisar a dignidadepenal
constitucional das condutas. Absolutamente simples. Nessa linha [13], Ferrajoli defende explicitamente
(fácil encontrar em suas várias obras originais)
que há odesenvolvimento de uma nova criminalidade, “de la cual provienen las ofensas más graves
a los derechos fundamentales: la criminalidad del poder [...]”[14].
De igual forma, costuma-se ignorar (ou não convém divulgar) o alerta feito por
Ferrajoli no sentido de que o Estado deveria preocupar-se notadamente com as
infrações cometidas pelos caballeros
– corrupção, balanços falsos, valores
sem origem e ocultos, fraudes fiscais ou lavagem de dinheiro –, ao
contrário do que normalmente se faz em relação à propaganda da necessária
punição exclusiva dos crimes que “ocorrem nas ruas”[15].
Embora não traremos à
discussão nesse momento essa questão (sem
que isso implique posição que possanovamente ser confundida com posturas de defensivismo social),é de se
perguntar quem realmente é o mais fraco[16]:
indivíduos (normalmente com as melhores
defesas técnicas)que cometem os delitos que Ferrajoli defende sejam
punidos mais eficazmente, ou a coletividade, vítima (indefesa) de criminalidade
com efeitos tão nefastos? [17].
Conclusões: Por um direito à defesa “adequado”.
Jamais
pretendemos plasmar um Direito Penal do
Inimigo. Realmente não conseguimos compreender de onde se tirou tal
conclusão. Deixamos de apresentar maiores argumentos porque não os há em
contrapartida no texto: apenas a afirmativa.
A
crítica ainda refere que existe “uma
inexplicável resistência aos dados da realidade, que apontam para uma evolução
galopante da população carcerária no Brasil, trazendo como consequências: a) a
deterioração das condições de cumprimento das penas e das prisões processuais;
b) o surgimento de organizações criminosas de dentro para fora do cárcere; c)
os altíssimos índices de reincidência produzidos pela política de encarceramento”.
Também nunca negamos tal situação (outra falha de premissado texto crítico).
Parece que há manifesta confusão no raciocínio apresentado, pois, como cediço,
a incidência do Direito Penal não implica, necessariamente, pena privativa de
liberdade, e especialmente em regime fechado. Pelo contrário, a grande gama de
delitos em que as condenações não superam quatro anos não há se falar em
encaminhamento do réu ao cárcere.
Na verdade, sempre insistimos que o Direito
Penal deveria ser mais eficaz e proporcional
aos crimes mais graves, consoante declinado anteriormente e noutros
escritos de forma mais detalhada.
Por
tudo que foi dito e visto, não há como concordar ainda com o texto quando diz
que “o “garantismo
penal integral” se aproveita dos elementos mais atraentes do modelo garantista
para mesclá-lo com traços do defensivismo social”.
O que nos parece inadequado – e daí a proposta para
que seja restabelecidaa integralidade – é que sejam aproveitadas
(aí sim) apenas partesda
Constituição (“unicamente” os direitos dos investigados/processados) na
interpretação que “se pretende” a mais adequada. Parece-nos que ideologismos
existem quando se quer fazer prevalecer apenas umainterpretação possível acerca do tão vasto tema do garantismo,uma “obra inacabada” como
diz Ferrajoli, mas que, para muitos, deve ser lida com lupas monocularese de acordo com suas
convicções. O Direito (e sua interpretação) merece ser mais democrático e de
acordo com a realidade em que se vive. Por isso resolvemos apresentar as modestas
e singelas considerações, sempre dialéticas e, cremos, respeitosas (malgrado
incisivas em alguns momentos) e proporcionais às críticas que nos foram
apresentadas.
[1] http://infodireito.blogspot.com.br/2013/07/boletim-informativo-ibadpp-julho-2013.html
e http://www.ibadpp.com.br/1372/garantismo-penal-integral-ou-defensivismo-diet-por-elmir-duclerc.
Acessos em 12.ago.2013.
[2]
Ora em 2ª Edição, após uma reimpressão da 1ª edição, na qual há a
participação de juízes, promotores,
procuradores da República e advogados.
[3] Por isso falamos em “defensivismo adequado”, ou seja, com uma das mais
importantes facetas da proporcionalidade.
[4] Nesse sentido, inclusive, em nossa interpretação, seria o pensamento
do próprio Ferrajoli em sua obra Garantismo,
Madrid: Editorial Trotta, 2006, p. 42-43.
[5] Bernal Pulido, Carlos. El derecho de los derechos.Bogotá: Universidad Externado de
Colombia,2005. p.126.
[6] Fizemos uma análise mais detida do
voto do Ministro Gilmar Mendes no precedente em nossa obra Delinquência Econômica e Estado Social e Democrático de Direito,2006,
Porto Alegre: Verbo Jurídico.
[7] Tratando de recurso extraordinário
interposto por réu condenado pelo delito de estupro com menor absolutamente
incapaz, no qual se pugnava a extinção da punibilidade em razão de união estáveldo autor com a vítima, o
Tribunal, por maioria, em sua composição plenária, conheceu e negou provimento
ao recurso, vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator), Celso de Mello e
Sepúlveda Pertence, que davam provimento ao recurso. Relator para o acórdão o
Ministro Joaquim Barbosa. Decisão proferida em 09/02/2006.
[8]
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO.
PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1.
De acordo com o art. 112, inciso I, do Código Penal, tido por constitucional no
julgamento do HC nº 232.031/DF, o termo inicial para a contagem do prazo
prescricional da pretensão executória é o trânsito em julgado da sentença
condenatória para a acusação.
2.
Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no recurso especial nº
1.338.598/DF, Sexta Turma, unânime, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 6-6-2013, publicado no DJ em 14-6-2013)
[9] Vide anotações mais específicas e
detalhadas no item 637.1 dos “Comentários
ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência”, Atlas, 5ª Ed., 2013, p.
1342, de nossa autoria em companhia de Eugênio Pacelli de Oliveira. Vide também
http://www.direitopublico.idp.edu.br/index.php/
direitopublico/article/ viewArticle/545, acesso em 12.ago.2013.
[10] FISCHER, Douglas. “Garantismo penalintegral (e não ogarantismo hiperbólico monocular) e o princípio da proporcionalidade: breves
anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais”. Em http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html.
Acesso em 12.ago.2013.
[11]
Luís Prieto Sanchís nos revela que o mestreFerrajoli sempre insistiu que o paradigma garantista “es uno y el mismo que el actual Estado
constitucional de derecho”, o en que representa
la outra cara del constitucionalismo, concretamente aquella que se
encarga de formular las técnicas de garantías idoneas para asegurar el máximo
grado de efectividad a los derechos[...]” -
todos os direitos, explicitamos –“[...] reconocidos constitucionalmente”(Constitucionalismo y Garantismo.In:
Carbonell, Miguel y Salazar, Pedro,
Garantismo – Estúdios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid:
Editorial Trota, 2005, p.41).
[12] Carbonell,
Miguel. La garantia de los derechos
sociales em la Teoria de Luigi Ferrajoli. In: La Teoria General del Garantismo: rasgos principales.In:
Carbonell, Miguel y Salazar, Pedro,
Garantismo – Estúdios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid:
Editorial Trota, 2005, p.171.
[13] Vide nota dos organizadores da obra Garantismo Penal Integral.
[14] Ferrajoli,
Democracia y garantismo, p. 200.
[15] Ferrajoli,
Democracia y garantismo, p. 254.
[16]
O texto que nos faz a crítica refere que “quem precisa das garantias é o
indivíduo (o mais fraco). A própria noção de garantia já supõe, portanto, um
poder punitivo (poena) que, não obstante, só pode atuar legitimamente em
dadas circunstâncias”.
[17] “Os
pequenos delitos representam 94% da criminalidade, mas os 6% restantes
correspondem aos danos de maiores consequências à sociedade, como os crimes de
colarinho branco e as fraudes financeiras e trabalhistas”. Entrevista
concedida por Raul Cervini, jurista uruguaio, e ao Jornal Correio do Povo do
dia 22/03/2004, p. 6, durante a realização do “Seminário Professor Claus Roxin
– Direito Penal Econômico”, em Porto Alegre/RS.