Por Ela Wiecko V. de Castilho, subprocuradora-geral da República, Doutora em Direito pela UFSC e Roberto Roberto Livianu, promotor de Justiça em São Paulo, Doutor em Direito pela USP, vice-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático e coordenador da campanha nacional Não Aceito Corrupção
O Brasil vive momento singular em sua história, ocupando cada
vez mais lugar de destaque na cena internacional, preparando-se para sediar nos
próximos três anos os dois mais importantes espetáculos esportivos planetários
– copa do mundo de futebol e olimpíadas.
Nossa opinião é cada vez mais ouvida e considerada, crescendo
a cada dia o grau de respeito internacional pelo país, apesar dos graves nós
sociais ainda por desatar – educação, saúde, controle da corrupção e violência,
entre outros.
Ao lado disso, nossa Constituição Federal em breve completará
um quarto de século de vida e sua essência garantidora da cidadania civil,
social e política se sobressaiu como principal virtude, que a fez ser chamada de
Constituição Cidadã.
Para tornar concreta nossa cidadania, a Carta Magna incumbiu
o Ministério Público, que se faz presente no Brasil há mais de 400 anos,
atuando inicialmente perante o Tribunal da Relação da Bahia colonial.
A Carta constitucionalizou os papeis de promoção da ação
penal pública e da defesa da ordem jurídica e regime democrático, protegendo
interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis.
Tendo em vista o caminho constitucional brasileiro, foi
natural a adesão do país onze anos depois ao Estatuto de Roma (que criou o
Tribunal Penal Internacional) em 07/02/2000, sendo a regra depois incorporada à
nossa Constituição Federal. Hoje são já 121 os países signatários.
O Tribunal Penal Internacional foi criado para processar e
julgar crimes contra a humanidade, especialmente porque muitos países não
tinham e não têm instituições sólidas o suficiente e aptas para esta complexa
prestação de serviços.
Uma das mais importantes conquistas para a humanidade no
Estatuto de Roma foi dotar ali o Ministério Público dos poderes necessários
para fazer valer o sentido do estatuto, especialmente o poder de investigação
criminal, previsto expressamente no artigo 15.
Bem por isso que expertos internacionais, da Europa e América
Latina, reunidos em Brasília nos dias 11 e 12 no seminário internacional sobre
o papel do MP na investigação criminal, externaram sua perplexidade em relação
à proposta de emenda constitucional 37, que pretende impedir o Ministério
Público de investigar criminalmente, juntando o Brasil a Uganda, Quênia e
Indonésia, sendo que ex-mandatários dos dois primeiros países são réus no
referido Tribunal Penal Internacional.
A perplexidade é mais que justificada porque esta PEC fere
frontalmente a própria Constituição brasileira, à qual foi incorporado o
Estatuto de Roma.
E porque é impossível entender como o Brasil assume uma
posição mundial de atribuir poder de investigação ao MP e dentro do país pensa
em retirar este poder.
Além disso, desprezar o estabelecido num tratado
internacional significaria o Brasil se fechar numa concha, implodindo suas
relações com o mundo e destruindo todo o trabalho já consolidado de cooperação
com os demais países, que garante, por exemplo, repatriação de dinheiro desviado
e remetido para outros países, produto de corrupção.
O MP tem responsabilidade social e examina provas com ética e
lisura, não tendo compromisso com número de condenações, mas com a proteção da
sociedade e com o respeito ao devido processo legal.
Por isso, não há porque impedir o MP de investigar, o que o dicionário Houaiss define objetivamente como procurar
metódica e conscientemente descobrir algo, através de exame e observação
minuciosos.
Tudo indica que a PEC se origina do fato que muitas
iniciativas do Ministério Público incomodam os detentores do poder e porque
muitas vezes eles são os próprios réus que temos o dever de responsabilizar por
atos desrespeitosos à sociedade.
Não somos os
donos da verdade e para isso existe o direito à ampla defesa e cabe sempre ao
Poder Judiciário o julgamento final.
Não é
natural nem compreensível nem aceitável que representantes do Poder
Legislativo, na contramão da marcha histórica da civilização rumo à dispersão
do poder preconizada por John Locke já no século XVII, queiram amputar os
promotores de Justiça e procuradores, esvaziando o papel do MP, monopolizando
nas mãos da Polícia a investigação criminal.
Cabendo ao
legislativo, desde Montesquieu, elaborar leis que regulam a vida em sociedade, cuja
razão de ser seja o interesse da sociedade, e não, a impunidade decorrente do
monopólio do poder.
Num mundo inquestionavelmente globalizado, onde as decisões
políticas nos planos jurídico, monetário, econômico e fiscal afetam
inquestionavelmente as relações com as demais nações do mundo, o parlamento
brasileiro deve estar atento para não ceder a interesses menores e
inconfessáveis e para não nos colocar na contramão da história.
Ela Wiecko V. de Castilho, subprocuradora-geral da República,
é ouvidora-geral do Ministério Público Federal, Doutora em Direito pela UFSC e foi coordenadora executiva do seminário internacional
O papel do MP na investigação criminal
Roberto Livianu, promotor de Justiça em São Paulo, é Doutor
em Direito pela USP, vice-presidente do Movimento do Ministério Público
Democrático e coordenador da campanha nacional “Não Aceito Corrupção”